O registro de uma imagem, há poucos anos, começava com o ato de colocar o filme na máquina fotográfica. Ou melhor: começava quando se escolhia o filme, o que podia ser um dilema complicado. Eu, por exemplo, sou fascinado por fotografia em preto-e-branco. E para fazer uma fotografia assim era preciso colocar um filme especifico na máquina, o que significava que as próximas 36 imagens sairiam em preto-e-branco. Equipado para fotografar apenas preto-e-branco, eu ficava torcendo para que não surgisse nada muito colorido na minha frente...
Mas a mudança mais significativa foi, claro, quanto à revelação das imagens. As crianças, hoje, não devem sequer saber o que é revelar um filme fotográfico. No entanto, após tirar uma foto nós não tínhamos como saber se ela havia ficado boa. A iluminação, o enquadramento, o resultado só seria visto dia ou dias depois. E nada de retocar digitalmente a imagem para corrigir os defeitos. A foto é o que é.
A espera. Horas ou dias até se poder ver o resultado de uma foto. Quem nem sempre agradava pela imagem em si, é verdade, mas que se confundia com um outro valor muito significativo: a fotografia acompanhava a memória. Buscar as fotos recém reveladas era uma viagem que se prolongava além das férias, um fim-de-semana que se prolongava até segunda ou terça-feira. Quando começava a bater a saudade daquela pessoa ou daquele lugar, nesta hora é que a revelação das fotos ficava pronta, finalmente nos sentávamos para olhar tudo. Com os olhos cheios de lembranças.
Não temos mais isso. O ritual da foto se concentrou completamente no instante do clique e quase não há mistério a ser revelado posteriormente. E assim vamos desaprendendo a esperar.
Na escrita, um fenômeno parecido. Sou dos que ainda escrevem cartas. Adoro. Todo o lento ritual, a escolha do papel, o cuidado com a letra, a incorporação de algum desenho, cartão ou dobradura ao envelope. Um pequeno presente que se constrói. E, claro, a espera. Não é fascinante imaginar o instante em que a carta chega, trazendo mensagens, texturas, aromas? Como um livro novo, personalizado, gostoso de se folhear. Não nego a importância do e-mail. É minha ferramenta de trabalho e meu principal meio de comunicação com as pessoas que moram longe. É rápido e prático. Mas não pretendo substituir uma única de minhas cartas por uma dúzia de e-mails. Amigos meus, não deixem de me escrever cartas! E compreendam minha eventual ausência dos sistemas ultrainstantâneos de comunicação: eu poderia ficar preso em frente ao computador usando o MSN durante o tempo de uma carta, mas a comunicação não seria tão intensa quanto a que colocaríamos no papel.
Mas estamos numa época em que o até forno de microondas deixou de ser sinônimo de rapidez para ser mais lento que outros eletrodomésticos, estes sim com a agilidade que nos acostumamos a cobrar de nós mesmos. Um sorriso para a foto, mas depressa, por favor! Parece que já não teríamos tempo para rebobinar uma fita cassete, se isto ainda fosse necessário; que dirá tempo para escrever uma carta.
crônica e fotografia por Eduardo Trindade
14 comentários:
Esse seu texto me faz refletir muito sobre como eram as coisas antes e recordo do significado que tinha ganhar uma foto!
Lembro que ganhar uma foto d euma amiga ou familiar representava um ato tão afetuoso... Eu tinha DIVERSAS fotos na minha carteira, nos meus álbuns... tão delícia!
Obrigada pela leitura... ADOREI!
É verdade essa emoção de esperar pelas fotos, lembro-me de isso acontecer com as fotografias das férias, era uma ansiedade e revia-as vezes sem conta.
Quanto às cartas, ainda hoje guardo todas as que recebi de amigos e familiares. São uma espécie de tesouros.
Confesso que já não escrevo cartas, escrevo ainda às vezes postais, mas as cartas perderam para o e-mail (que às vezes são autênticas cartas em formato digital).
Mais uma vez parabéns pelo teu texto.
Abraço transatlântico!
Hoje em dia tudo é rápido e rápido também perdemos tantas coisas importantes. Coisas pequenas mas muito importantes, como o sentar e olhar as fotos de uma viagem como referiste. Recordar, sorrir, falar sobre...
Gostei muito do teu texto, como sempre faz-nos reflectir sobre os nossos actos, sobre a nossa sociedade...
Abraços
Era o que se chamava: Olha o passarinho.
Pois é hoje a fotografia, nasce na palma da mão.
Bom fim de semana
Um abraço
Victor Gil
Infelizmente eu só tenho um interlocutor para minhas cartas atualmente. Mas é muito especial, 2 ou 3 cartas ao ano recheadas de muitas emoções. Falaste muito bem sobre o processo que envolve tanto a atividade fotográfica quanto a escrita. Até mais querido!
"Não é fascinante imaginar o instante em que a carta chega, trazendo mensagens, texturas, aromas?"
E como esse fascínio se completa quando somos presenteados com um relato saboroso do momento de abertura do envelope! É como viver duas vezes o prazer de pensar e construir cada detalhe. É ter a certeza de que os sorrisos semeados na correspondência foram todos colhidos, um a um.
As cartas e as fotografias exercem fascínio sobre as pessoas, talvez por terem um quê de eternidade... Mesmo quando traziam alguma recordação com a qual não queria mais conviver, nada substituía o prazer de rasgá-las! Ótimo texto, compartilhamos o mesmo pensamento. Ainda sou uma apaixonada pelas cartas, tanto que vez ou outra escrevo para mim mesma.
Abraços!!!
Tem razão Edu, todo o ritual e p fascinio da espera pelas fotos, cartas estão sumindo.Antes uma foto era algo tão especial, registro de uma coisa super importante, infelizmente hoje até mesmo a importancia do momento muitas vezes se perde. =/
gostei muito da foto tambem, lembrei de um dia desses quando era criança e adorava ficar rodando a coisinha dos bombons n.n
ah, andei com um nostalgia sobre isso qndo digitalizei umas ftos antigas...
"a gente era feliz e não sabia..."
e faz tanto tempo q n escrevo cartas, to atrofiando essa coisa de escrever com mão, gosto muito mais de digitar... rs
ótima cronica, querido
beijo
É verdade, Eduardo, não há nada que substitua uma carta. Mas, na verdade, cada comunicação tem seu valor e sua circunstância.
Fiquei lembrando agora de quantas vezes ía à caixinha do correio de casa atrás de cartas. Quando chegavam...nossa, que alegria!
Valeu pela lembrança!
Beijos.
Magna
nossa, o charme das coisas estão indo pelo ralo.
voce resgatou muito esse charme nesse texto, parabens.
Blog Suicide Virgin
ah, eu ainda tenho um a camera analogica. eu gosto de usa-la de vez em quando. pena a revelação ser cara. (pelo menos eu acho cara). bjs.
"Um sorriso para a foto, mas depressa, por favor!"
seu texto me veio a calhar justo agora que penso em não ter tanta pressa.
as vezes deixo os e-mails pessoais esperarem um pouco para esquentarem um pouco mais. as vezes escrevo cartas, escaneio, e as envio por e-mail. a intensidade é a mesma e a pessoa pode esperar para lê-la como uma carta. tentativas...
e sabes escrever e escrevê-las tão bem, meu amigo :)
um beijo
Pois é, desaprendemos a esperar ... como eram bons os tempos da espera sem angústia, sem tormentos... hj vivemos em tamanha correria, que esperar pelo final do dia já parece uma eternidade...
Cartas e fotografias... que saudades!!!
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