Quando estou no chuveiro, volta e meia eu me deparo com um dilema: o sabonete, ao ser usado, vai diminuindo de tamanho, diminuindo, diminuindo, até que usá-lo se torna impraticável, embora ele teime em não desaparecer por completo. Daí a dúvida: até que ponto ainda é valido usar o sabonete? Questão aparentemente inócua, ainda mais que ela vem num momento em que não temos testemunhas, mas não por isso mais fácil de responder. Quando é, afinal, que acaba o sabonete? Quem já usou o sabonete até o final? E não me venham com a tática de grudar o restinho do sabonete anterior naquele sabonete novinho em folha, recém tirado da embalagem. Isso eu também faço, mas sempre me soa como uma leve trapaça...
Na escola, havia uma outra situação parecida: era quando a borracha, de tanto ser usada, ia diminuindo de tamanho até restar apenas um cotoco. Mas quando é que acabava a borracha? Tecnicamente, ela não acabava nunca, pois sempre sobrava um pequeno pedaço. Porém, havia um momento em que este pedaço, de tão pequeno, tornava-se impossível de ser manuseado. O que fazer, então, com aquele cotoco?
Por inércia, eu não fazia nada, e o resto de borracha continuava rolando em meu estojo e sobre a mesa. Um dia, um professor mais irônico me perguntou:
— É de estimação?
Talvez fosse e eu nunca tivesse me dado conta.
Por outro lado, há aquelas coisas que efetivamente acabam. A caneta bic, por exemplo. Bem, talvez não seja um bom exemplo: dizem as teorias de conspiração que as canetas bic misteriosamente não terminam nunca. Alguém aí já chegou ao fim de uma caneta bic? Sinto desapontar os conspiracionistas: as minhas canetas acabavam, sim. O que havia de misterioso era acompanhar a evolução do nível de tinta no interior do tubo, como um termômetro que parecesse imóvel mas, sorrateiramente, estava diminuindo semana após semana. Até chegar ao fim.
Voltando aos itens de higiene pessoal, eu devo ter alguma implicância com perfumes. Pois um frasco de perfume, na minha mão, dura anos. Não que eu seja econômico demais, pelo contrário. Simplesmente deve estar acima do meu entendimento o mecanismo que faz com que aquele minúsculo frasco, que eu uso todo dia, dure tanto tempo — até um ponto em que, de tão velho o perfume, a sua fragrância guarda quase nenhuma semelhança com a fragrância original... Nesta linha, um amigo meu ficava francamente chateado com as loções pós-barba que, segundo ele, duravam tempo demais: aquele frasco cheio do qual só usamos poucas gotas por dia representava, inegavelmente, um estoque desnecessário de produto. Nas palavras dele: dinheiro parado...
E as coisas que, embora teoricamente feitas para durar, sabemos ter os dias contados? Aqueles radinhos de pilha comprados na frente do estádio que raramente duravam mais que um único jogo de futebol. Os famosos guarda-chuvas de camelô que, quando não são abandonados pelo dono distraído em algum local incerto e não sabido, terminam seus dias escangalhados pelo uso. E que têm a particularidade de só dar a perceber o quanto é irremediável o estrago das varetas ou da costura no meio do aperto, ou seja, da tempestade. Antes assim. Encharcados ou não, todos sabemos que o fim de um guarda-chuva velho é o lixo. Mas ainda não me responderam: quando é que acaba uma borracha ou um sabonete?
Lembrete: amanhã, sexta-feira, tem publicação minha no Autores S/A e no Blog de 7 Cabeças.