quinta-feira, 25 de junho de 2009

Silêncio


Mãos pousadas no colo,
pernas cruzadas,
olhos manchados de tristeza.
Sentada a um canto,
a moça de vestido longo
que sonhara, esperançosa,
suspirava o fim da festa.



versos e imagem por Eduardo Trindade

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Como Branca de Neve


Repousa no sereno da madrugada
de um dia que ainda não veio.
Mas quem abrirá seu peito
à primeira rosa da alvorada?















fotografia (Óbidos, cidade de conto de fadas) e versos de Eduardo Trindade




Nota: alguns já devem ter reparado que o blogue está de endereço novo. Agora, para acessá-lo, basta ir a
http://www.edutrindade.com
Para facilitar, o antigo endereço continua funcionando.

sábado, 13 de junho de 2009

O Carteiro

crônica de Eduardo Trindade
Vocês se lembram do carteiro do Chaves, o Jaiminho?
(Como boa parte das crianças da minha geração, eu cresci assistindo aos seriados do Chaves e do Chapolin...)
Pois então, Jaiminho, o impagável carteiro vindo de Tangamandapio... Eu descobri que ele ainda trabalha nos correios e está entregando cartas aqui na minha rua!
Assim: ontem, dia dos namorados chuvoso, no instante em que eu entrava no prédio chegou o carteiro com uma entrega para mim (sim, era um presente dela!).
E não é que o carteiro era o Jaminho? Continuava com o mesmo bigode grisalho, a mesma barriga, o mesmo jeito atrapalhado... Faltava apenas a bicicleta.
O carteiro me entregou a caixa e precisava que eu assinasse o recebimento. Mas – imaginem vocês! – ele não conseguia encontrar a folha de papel onde eu devia assinar. Remexeu num bolso do casaco, e nada; remexeu no outro bolso, saíram umas tantas cartas soltas, mas nada da tal folha. Pegou então a sua bolsa de carteiro, virou-a de ponta cabeça, sacudindo, fazendo cair todas as cartas! Neste momento, para não perder o clima nostálgico, eu me lembrei dos programas infantis em que a apresentadora revirava um monte de cartas enviadas pelos telespectadores antes de sortear uma. Com a diferença de que eu nunca tinha visto um carteiro fazer isso na minha frente, em pleno serviço!
Pois o Jaiminho continuava ali: revirou aquela pequena montanha, revirou e nada... Até que achou, no meio das cartas, um saco preto, desses de lixo. Virou o saco sobre a montanha de cartas, fazendo cair mais uma porção de envelopes e finalmente tirou do meio daquilo tudo um pedaço de papel amassado, ou seja, a folha onde eu devia assinar o recebimento.
E em seguida, missão cumprida, pôs-se a recolher tudo com a maior naturalidade, enquanto eu e o porteiro do prédio observávamos, incrédulos e divertidos!

imagem: arte digital sobre fotografia daqui

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Um beijo

De mãos dadas
na saída da escola
trocaram furtivamente
o primeiro beijo.

Quantos beijos mais
sequer imaginavam
que iriam acontecer!

E quantas promessas
de amor infinito
ainda por vir,
todas intensas
e inevitavelmente finitas
(mesmo assim belas)
como o próprio beijo,
como a própria vida.



versos e cores por Eduardo Trindade

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Cemitério Virtual

Uma moda já bastante persistente no mundo cibernético é a das chamadas redes sociais, das quais o Orkut é o exemplo mais conhecido no Brasil. E é curioso como, a partir destas redes, algumas formas de relacionamento vão se modificando. Às vezes lentamente, é verdade, noutras vezes mais rapidamente do que estávamos acostumados. Tudo isso seria material farto para psicólogos e sociólogos. Eu, como simples cronista, não me atrevo a aprofundar o assunto, mas não posso deixar de perceber certas particularidades.
Porque as tais redes de relacionamento estão lá, permitem catalogar nossos conhecidos, classificá-los de diferentes formas e até interagir com eles. A todas essas, as pessoas continuam se encontrando, brigando, indo e vindo, às vezes dissimulando, eventualmente morrendo. E assim surge uma espécie de cemitério virtual.
Há alguns meses, um amigo faleceu tragicamente. Foi uma notícia chocante, como costumam ser as notícias deste tipo. Acontece que, depois, quando eu já me havia acostumado à perda, lembrei que aquele amigo tinha um perfil no Orkut. Um perfil bem elaborado, com textos, fotos, o mural de recados... E esse perfil, claro, continuava lá. Confesso que a constatação me arrepiou um pouco. Não tive ânimo ou coragem para fazer coisa alguma: deixei o perfil lá, quieto, entre todos os meus demais amigos.
Até que, agora, essa lembrança voltou. Pois eu reparei por acaso que um amigo em comum mantinha na sua própria página, em posição de destaque, um depoimento que havia sido enviado há tempos pelo falecido. E, sem saber explicar por que, a partir desta descoberta acabei acessando o perfil do meu velho amigo.
À primeira vista, tudo parecia normal. Ele estava lá, com o mesmo sorriso na fotografia, os mesmos traços de humor na descrição, os mesmos erros de ortografia aqui e ali. Os desavisados não perceberiam nada anormal. Mas, indo adiante, veriam não poucas mensagens de saudades deixadas por pessoas que, pelo visto, continuavam a escrever para o falecido – ou tentavam se comunicar com ele agora mais do que nunca. Perdoem a reação destas pessoas. Acho que religião alguma conseguiu isso: preces que não se perdem, mas que ficam registradas e públicas para quem as quiser acompanhar, ainda que involuntariamente; conversas com o além registradas num espaço inteiramente novo e eventualmente captadas pelos radioamadores de nosso tempo. Palavras como flores em um túmulo. Com a diferença de que estas flores, mesmo sendo talvez menos tangíveis, são definitivamente mais perenes. Estão lá, gravadas, nem precisariam ser renovadas. Mas surpreende perceber que são, sim, continuamente renovadas. Mais e mais mensagens.
E também alguns anúncios comerciais, convites, iscas para vírus e pornografia obviamente não solicitada. É a facilidade assustadora da comunicação ao alcance dos dedos. Falar com o outro lado do mundo, ou com o outro mundo, nunca foi tão simples. E ainda há quem duvide de que estamos na era da informação. Os folhetos de propaganda, quem diria, são entregues até aos mortos do cemitério.

texto e fotografia por Eduardo Trindade