quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Do viver impreciso

Amo o que me instiga. Se um livro me ameaçasse com sabedoria infinita, eu largaria o livro. Se me dessem a felicidade eterna, em busca de que eu correria todos os meus dias? Se me oferecesses um carinho inesgotável, eu o trocaria pela aventura de te reconquistar todos os dias. Solto tua mão para ver até onde vais, até onde vou, e fecho os olhos para adivinhar o gosto que terá nosso próximo beijo.



Texto e fotografia por Eduardo Trindade

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Andarilho


Construo estradas
com a poeira de meus sapatos
esquecido
do velho sonho da casa própria.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A virada

De repente, já é 2010. Admito que não participei com muito entusiasmo das comemorações que habitualmente cercam a virada do ano. Não que eu não tivesse nada para comemorar. Parece apenas que, mais do que em outros anos, eu não estava disposto a eleger, de maneira um tanto arbitrária, a noite de 31 de dezembro como símbolo quase mágico de que tudo vai melhorar instantaneamente. E, de qualquer maneira, nunca tive o costume de entrar madrugada adentro em festas de Ano Novo.
Certo, podem me chamar de antipático. Só digo em minha defesa que eu estava cansado, simplesmente. Assim como as pessoas anseiam por um momento de renovação, de passar a vida a limpo, de uma catarse coletiva em que é permitido esquecer os problemas e acreditar que amanhã será diferente, eu tive vontade de inovar – fugindo disto tudo.
E nem cheguei propriamente a fugir. Estive em Copacabana assistindo à queima dos fogos, estourei uma garrafa de espumante, abracei quem me abraçou. Até que me comportei bem, não? Só minha cabeça é que estava distante, pensando na minha cama, desejando ir para casa (e intimamente feliz por não ter de trabalhar no dia seguinte).
Há algum tempo, a gente se dava conta da virada ao longo dos primeiros dias do ano, preenchendo seguidos cheques com a data errada até se acostumar à mudança. Hoje temos cartões de crédito e de débito: o meio eletrônico nos roubou aquele processo manual de erros e acertos em que nos acostumávamos a escrever a data do novo ano. Em compensação, ainda temos agendas. Cumpri hoje meu ritual de passagem: transcrevi na agenda de 2010, novinha em folha, os meus compromissos para o ano que está começando.
Este ato de escrever na agenda nova é um pouco como iniciar um caderno na época do colégio. Eu tinha muita pena de gastar algo tão brilhante, ainda cheirando a loja... E me esforçava por caprichar na letra e na organização, embora fosse relaxando ao longo do ano. Sempre tive este apego um tanto sem sentido às coisas novas, um certo medo de vir a gastá-las. E nunca adiantou pensar que os objetos servem, mesmo, para serem usados. Dá-me pena ver que as coisas, por mais cuidado que se tenha com elas, vão perdendo o viço.
É um pouco o que acontece com o ano: este 2009, tão festejado há não muito tempo, vai-se embora sem que as pessoas demonstrem saudades. E agora, chegada a primeira segunda-feira de 2010, ocorre o inevitável: o ano que era novinho em folha aos poucos vai se amarelando de realidade e ganha as primeiras rasuras. Quem sentirá o mesmo apego por ele depois de perceber orelhas nas bordas e rasgos em algumas páginas? Talvez apenas aqueles que souberem sorrir ao identificar, num dos borrões, a caligrafia irônica de Mario Quintana: A Esperança é um urubu pintado de verde.

Esta crônica foi publicada n'O Globo de 04/01/2010. Mas, talvez para criar polêmica, o título foi alterado sem o meu consentimento! Por que será que tenho tanto azar com editores e revisores?