Julieta achava que deixar-se levar pelo acaso não compensava. Não gostava de loterias e nunca fora capaz de desprender-se das decisões que afetavam a sua vida quando pensava que podia controlá-las. Preferia a poupança à bolsa de valores. Os discos que tinha em casa à programação do rádio. As reprises da tevê à transmissão ao vivo da vida através da sua janela.
Romeu às vezes destinava algumas moedas, coisa pouca, à loteria, apenas para certificar-se de que não tinha mesmo sorte. Não lhe importava o emprego confortável e obscuro na repartição, que permitia estabilidade, horários fixos, férias todos os anos. Reagira com indiferença estoica no dia em que roubaram seu carro e no dia em que, enfim, quitara o financiamento do apartamento. Ressentia-se da timidez que, ao longo dos anos, havia se transformado em falta de ousadia e num doloroso anonimato toda vez que saía à rua.
Romeu sonhara ser reconhecido, dar entrevistas. Quando criança, treinara autógrafos em guardanapos. Depois, resignara-se à misantropia que lhe reservara o destino.
Julieta não acreditava no destino. A incerteza não podia valer a pena, era uma questão de lógica.
Tinham dito a Romeu que o seu nome romântico fora escolha de sua mãe e ele achava que isso só podia ser uma brincadeira do destino.
Julieta nunca lera Shakespeare.
Romeu buscava excitação nos encartes com propaganda de supermercados, caçava promoções, depois peregrinava pelos estabelecimentos do bairro em busca do melhor preço em cada um deles.
Julieta fazia compras para o mês.
Romeu desistira de ter companhia em casa no dia em que morrera seu cachorro.
O gato que Julieta tinha em casa fora trazido por uma tia, que praticamente a obrigara a cuidar do bichano.
Romeu adquirira a mania de mastigar ração para cães.
Julieta era vegetariana.
Os dois moravam no mesmo prédio. Vizinhos de porta, nunca se falaram. Ela usava o elevador, Romeu só subia pelas escadas.
Cruzaram-se no supermercado.
— Desculpa.
— Tudo bem, não foi nada.
Julieta não reparou em Romeu quando este esbarrou nela com a cesta de compras. Pão, um litro de leite, uma barra de chocolate meio-amargo, comida para cachorro.
Romeu seguiu caminhando automaticamente e, quando chegou à fila do caixa, não reparou que a mulher em quem esbarrara era a mesma que aguardava apoiada no carrinho à sua frente. Ovos, macarrão integral, arroz, feijão, comida para gato.
Julieta silenciosamente passou suas compras pelo caixa e pagou com cartão.
— Débito ou crédito?
— Débito.
Romeu, quando chegou ao caixa, pensou em mil maneiras de puxar assunto com a atendente e romper o silêncio que o constrangia, mas não disse palavra. Pagou em dinheiro.
Sem perceber, Romeu fez o mesmo caminho que Julieta fazia para chegar em casa.
Foi neste dia que uma falha numa subestação a quilômetros dali fez com que o bairro ficasse sem energia elétrica.
Romeu alcançou Julieta na portaria do prédio.
E subiram juntos pelas escadas, ele ajudando-a a carregar as compras, enquanto falavam de uma vez todas as conversas que nunca tinham sido ditas e descobriam coincidências em que nunca teriam acreditado.
texto e fotografia por Eduardo Trindade