sábado, 30 de julho de 2011

Enquanto lá fora

Enquanto esta chuva molhar as pedras da rua
ou este vento sacudir as bandeiras do varal
e varrer as folhas do nosso jacarandá
deixando sempre outras folhas de outras árvores,

enquanto o sol pintar de reflexos nosso dia
ou esta noite cobrir de saudade nossos olhos,

enquanto caminharem pacientemente as dunas da praia,
sutil ampulheta de vento e tempo e areia
a medir não sei o quê,

enquanto sentir um não-sei-o-quê
(e sei que vou senti-lo)

vou te dar todo o sentido

que não sei se é infinito
pois não sei medi-lo

mas que é o sentido

da pele eriçada, da respiração suspensa, do coração aos pulos.

Do abraço apertado e dos olhos fechados
enquanto a chuva, o vento, o tempo
passam lá fora.

sábado, 16 de julho de 2011

A quem cabe na palma da mão

Bazoguita.
Túti, chegaste há tanto tempo que os detalhes são imprecisos, chegaste bebê, eu era guri e o mundo era um mundo. Chamaram-te Túti, chamamos-te Túti, eu fui o único a insistir no acento em teu nome (paroxítona terminada em i), mas não importava tanto, não assinavas, tua assinatura era teu latido.
Durante uma vida foste nossa cachorrinha. Durante quatro lares foste nossa irmãzinha. Quatro casas, mais as temporadas em Capão da Canoa, quando corrias na praia mas tinhas medo do mar, mais a casa temporária da Glória, em que outra cachorrinha, a Bibi, vivia te importunando (lembras?), mais algumas outras em que fomos visitas, tu que estavas conosco, tu que eras da família.
Tu que cabias na palma da mão, tu te lembras de uma foto em que estás toda encolhidinha dentro de uma pantufa, a cabeça apenas para fora? Não cresceste muito, os da tua raça não crescem muito, continuaste cabendo num colo, num abraço. E não é preciso mais que a palma da mão para um carinho. Quando há carinho, o mundo cabe na palma da mão.
Cresceste com nosso irmão Tiago, lembras como ele era também pequeno, quase como tu? Lembras quando começamos a conversar contigo numa língua inventada, brincadeira de criança? Bazoguita, matuia, tutipum. Olhavas, nem sempre respondias, mas entendias. Era o nosso segredo.
Durante quantos churrascos fomos uma família. Quantas brincadeiras, escadas (sempre tive medo de que as escadas fizessem mal à tua coluna, tu que eras tão frágil). Passeios no Brique, idas ao parque.
Saí de casa e passamos a nos ver menos, nunca pudeste me visitar, mas com que alegria eu te visitava e com que alegria me recebias. Como gostavas do sofá, com que alegria me convidavas para sentar junto contigo, tu que deitavas no sofá com a cabeça sobre a minha perna e me obrigava a te pedir licença sempre que eu precisava me levantar. Uma vez apenas foste te despedir de mim no aeroporto e te expulsaram, o aeroporto parece que não é lugar para cachorros. Ficavas agitada quando me vias arrumar uma mala, temias as despedidas. Às vezes eu saía de madrugada para o aeroporto e te deixava dormindo, despedia-me em silêncio por não querer te acordar, mas como doía. Como dói não poder se despedir.
Então chegou o dia de hoje e foi tua vez de ir embora. Sim, como dói não poder se despedir. Espero que tenhas sido feliz, espero que tenhamos sido uma boa família.
Sejas feliz, é o que dizias a cada um de nós, é o que te dizíamos. Bazoguita.
É o nosso segredo.

sábado, 9 de julho de 2011

Vento



O vento frio do crepúsculo
fazia mover sem sentido
as sombras de antigas lembranças,

sobras estacionadas
na contramão do tempo.

sábado, 2 de julho de 2011

Vertigem

Esta vertigem pensei que se devesse à tua presença.
Então veio a noite
e pensei que se devesse à tua ausência
esta vertigem.

Atrás de ti a porta aberta,
esta friagem,
aragem.

Uns olhos úmidos,
imperfeitos,
nunca confessaria que fossem por ti
(perfeição).

As paredes giram,
a janela,
as estrelas,
vertigem!

Mil rostos giram,
espelho e caleidoscópio,
vertigem.
Vejo-te em cada rosto
mas não estás
no quarto vazio
que é só
vertigem.

versos e fotografia por Eduardo Trindade