quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Astronauta

Diziam que a lua era feita de queijo. Diziam às crianças.
Curioso isso, não?
Diziam a nós, crianças que sequer gostávamos tanto assim de queijo!
Mas ninguém dizia que a lua era de chocolate branco ou que o sol era uma imensa gemada.
Cresci aprendendo a gostar de queijo.
Descobri que a lua era feita de uma areia branca e finíssima.
Astronauta, eu?
Hoje, corro na praia.

Eduardo Trindade

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Barba Branca

Crônica de fim de ano
A antevéspera do Natal acentuava o mau humor. Que dizer de todas aquelas decorações das lojas, que dizer das propagandas de coca-cola que a televisão mostrava? Tudo muito bonito... Tudo merecendo prêmios em Cannes, tudo tão pouco espontâneo. Ele tinha nome de santo, e no entanto fora preterido para uma vaga de Papai Noel de shopping. Orgulhava-se da barba branca, vasta, cultivada a custo, e fora passado para trás por um ninguém qualquer com adereços de plástico. Agora, caminhava pela rua, aos trambolhões com a multidão impaciente. A iluminação das vitrines incendiava seu mau humor. Sua barba inútil. Hirsuta.
Barba hirsuta. Tinha aprendido a palavra num filme. Adjetivo besta que só serve mesmo para se aplicar a uma barba de desempregado como a dele. Inútil. Adiava a hora de voltar para casa, não queria encarar a mulher. Imprestável, dissera-lhe ela, mas a culpa não era dele. Teimara com ela e chegaram a discutir. Depois saíra à rua em busca de carinho e fora recebido por outdoors coloridos. Nas calçadas, bancas com papais-noéis eletrônicos ensaiando danças ridículas, camelôs com gorros vermelhos gritando feliz-Natal, tudo na promoção.
— Malditos produtos chineses! — extravasou ao esbarrar num amontoado de pinheirinhos de plástico.
Seguiu chutando cascalhos. Por pouco não acertou a canela de uma mulher gorda que vinha na direção contrária carregando sacolas. Meteu as duas mãos nos bolsos. Em um deles, o celular pré-pago sem créditos. No outro, um furo.
— Porcaria! — havia perdido, pelo bolso furado, as moedas dadas como troco pelo cobrador do ônibus. Emprego idiota esse de cobrador de ônibus, só não é mais idiota que o emprego de ascensorista. Quem precisa de ascensorista, será que existe alguém no mundo que não sabe operar sozinho um elevador? Em vez de ascensoristas, bem que podiam inventar uma profissão para ajudar velhinhas a usar o caixa eletrônico dos bancos. Assim, talvez, diminuíssem as filas.
— Bem que eu podia ser contratado para ajudar as velhinhas no maldito caixa eletrônico... — pensou em voz alta, contra seu costume. Ultimamente, dera para isso: falava sozinho, coisa de doido varrido. Praguejou contra si mesmo.
Quis atravessar a rua, parou à espera de que se acendesse a luz verde. A poucos metros, uma loja de eletrodomésticos. Várias televisões exageradamente grandes reproduziam todas a mesma cena de um videoclipe: a versão brega de uma canção natalina. Então, do interior da loja saiu uma moça de vestido levando dois meninos pelas mãos. Ficou reparando nas curvas sob o tecido, achando incrível que ela já fosse mãe de dois pirralhos e concluindo que as mulheres estão mesmo começando cada vez mais cedo. Como a sinaleira ainda estivesse fechada, aproximaram-se o suficiente para que um dos meninos o perscrutasse por trás da barba até o íntimo de seus olhos. Neste instante se acendeu o bonequinho verde na sinaleira para pedestres e o homem com nome de santo saiu apressado, misturando-se à multidão de figurantes do centro da cidade, mas não tão rápido que o impedisse de ouvir, às suas costas, a voz eufórica:
— Mamãe, mamãe, eu vi o Papai Noel, lá vai ele disfarçado de vovô!
Passou a mão pela barba branca, hirsuta, como aprendera no filme, e não conseguiu resistir ao primeiro sorriso do dia.

Eduardo Trindade

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dos espaços


Em todos os cômodos da casa
depois que te foste
restou um incômodo
...................................vazio.