sábado, 29 de agosto de 2009

Quando os livros vão para o lixo

Saí de casa para retirar o lixo, como de hábito. Caminhei alguns metros e depositei o saco junto a outros, que seriam recolhidos pelo lixeiro, como de hábito. E, como de hábito, às vezes reparo em coisas simples que estão à minha volta.
Foi assim que percebi que, entre os tantos sacos de lixo depositados pelos meus vizinhos, havia um pequeno volume. Um livro. Sartre.
Sartre, o famoso filósofo e escritor francês, que venceu e recusou um Prêmio Nobel, dormia junto com o lixo a alguns passos de minha casa.
Verdade que não se tratava da sua faceta mais notória, que lhe deu garantiu o reconhecimento como intelectual e ativista, mas de uma obra póstuma relativamente obscura. Ainda assim, era um livro. No lixo.
O que eu fiz, penalizado com aquele destino inglório, foi obedecer a um impulso: resgatei o livro e levei-o para casa. Para minha sorte, o volume estava coberto por uma espécie de capa que o protegia da imundície. Um volume usado e manuseado, sim, mas ileso.
O livro, como qualquer outro, permitia diferentes leituras. Neste caso, não tenho dúvida de que a principal delas é: o que fazia um livro no meio do lixo? Quem o teria largado ali? Embora estivesse protegido pela tal capa, não acredito que a intenção fosse colocá-lo à disposição de outro leitor, afinal uma montanha de lixo é uma biblioteca bastante improvável. Não. Eu me espantei foi com o simbolismo da cena. É preciso coragem para lançar livros ao lixo neste mundo tão carente deles. Ou então despeito: os filósofos, como se sabe, não têm fama de simpáticos. Pelo contrário, costumam ser densos, pesados e carrancudos. Ao lixo, então, com eles! Melhor seria talvez se fizessem uma fogueira: não haveria vestígios do sumiço nem intrometidos como eu dispostos a resgatar livros da lixeira.

Por Eduardo Trindade.
Crônica publicada também no jornal O Globo de 31/8/09.

domingo, 23 de agosto de 2009

Quando


Carolina
todo dia
adia
o plano
de viver
o dia-a-dia.



por Eduardo Trindade,

lembrando, é claro, Chico Buarque:
O tempo passou na janela
e só Carolina não viu

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Carta fora do baralho


Azar no jogo, sorte no amor.

Quem dera!

Onde posso trocar
minha dama de copas
por uma moça de carne e osso?












segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Do teu sangue

Em memória de R.S.B.

Teu sangue não lavou a alma de ninguém.
Em vão buscaste uma morte heroica,
não estavas num filme nem numa batalha.
Voaste sem asas, sem sonho, sem nada.
Voando não deixarias pegadas,
mas o rubro de teus sentimentos a escoar
lentamente para os olhos de tua mãe.
Olhos, nunca imaginaríamos, olhos
fadados a colher tuas pegadas brutas
e a banhar docemente, desesperadamente
teu corpo jacente, ferido, maltratado,
enfim imóvel, enfim inerte, enfim liberto
num banho mais de lágrimas que de sangue.
Deixaste mais que sangue, deixaste a vida
a escoar nas lágrimas sem fim de tua mãe.

por Eduardo Trindade,
num dia em que a nota triste se faz necessária

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Face

Vês teu retrato
na água do lago?
Tantas rugas,
serão elas fruto
do sol que te toca
dia após dia
ou das ondas que turvam
vento após vento
o lago,
o sorriso
e o próprio sol?


fotografia e versos por Eduardo Trindade