sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Para começar o dia

Sempre vou ao trabalho de ônibus. É um trajeto de pouco menos de meia hora, que costumo fazer lendo ou dormindo: na maioria das vezes, durmo. Habituei-me a despertar quando o ônibus se aproxima da última curva antes da parada. Um automatismo do tipo que a rotina costuma criar. Não reclamo: é bom ter estes minutos a mais de sono durante a viagem.
Hoje de manhã. O ônibus se aproxima da tal curva e eu estou abrindo preguiçosamente os olhos. Há uma sinaleira, um pouco de trânsito, e o ônibus para, à espera.
Outro ônibus para ao lado do meu.
É quando eu reparo, através da janela, uma criança que olha para cá. Tem uma das mãos apoiada no vidro do seu ônibus. Esta mão me faz um aceno tímido, este menino me olha nos olhos com uma pureza que eu não sei descrever. Sei que definitivamente desperto. E assim o menino ganha um sorriso meu. Natural como os gestos que não esperamos. E espontaneamente minha mão responde ao aceno.
Então me dou conta de que o ônibus ao lado está repleto de crianças pequenas de uma escola pública. Curiosas, disputam espaço nas janelas. São rostos variados: alguns sonolentos, outros distraídos, outros ainda surpreendentemente atentos. E tantos sorrisos. Eu também estou sorrindo, olho para cada um destes rostos e me retribuem com um brilho de alegria! Agora são mãozinhas próximas à janela, todas acenando para cá!
A sinaleira já está verde, meu ônibus começou a se mover e vai deixando o outro para trás. Anda devagar, e eu vejo as janelas passarem em câmera-lenta. Meninos e meninas, cada qual com uma história. Não sei o que esperam do dia mas parece que, naquele instante, não desejam mais que um sorriso e um aceno deste homem aqui do outro lado, homem que parece fazer parte de outro mundo, mundo dos adultos. Eu.
Já nossos caminhos se separam, estou chegando ao trabalho. Meu último olhar capta o olhar de uma menininha desconfiada. Gosto de imaginá-la com uma curiosidade disfarçada em timidez. Hesitamos um instante, então ela começa a tamborilar devagar com os dedos da mão na janela, é sua forma de acenar para mim. Repito o gesto com a mão ondulando no ar. É bom-dia, é aceno, é despedida. E é a maneira que encontro de agarrar aquele instante para ainda me lembrar dele quando já forem outras as ondas trazidas pelo vento.

crônica e fotografia por Eduardo Trindade

domingo, 20 de setembro de 2009

Há uma saudade

Há uma saudade que enternece e outra que entristece,
uma que convida à ação e outra que nos deixa sem ação.

Que sentido temos dado às nossas ausências?



Eduardo Trindade

sábado, 12 de setembro de 2009

Bom dia

Raia enfim
com teus olhos
de poesia.

Desabotoa
teu sorriso
de marfim.

Que belo o dia
quando amanheces
em mim.




por Eduardo Trindade

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Desenho na calçada

Risco a calçada com um caco de tijolo.
Um sol, uma casa... Um menino
emerge, por encanto, do chão.
Sorri, sorrio. E dançamos juntos
de mãos dadas em frente à casa
onde eu costumava brincar.
O sol se faz luz e raios
enquanto dura o dia.
A tarde é grande aos olhos de criança.
Que retêm o tempo. As sombras se alongam,
enfim, então vem a noite
e com ela uma nuvem molhada
restitui o menino à calçada,
os rabiscos ao nada,
a compostura ao homem feito
e parto, intimamente radiante
como um sol cor de tijolo.

versos e imagem por Eduardo Trindade