domingo, 13 de janeiro de 2019

Superlativa

                  Para Renata
Ergue os olhos
à Via Láctea -
o mundo gira
e nos dá a dica:
avante não é parado
nem retilíneo.
Avante -
num relance, hipérbole.

Olha para perto:
o caracol e a flor,
Fibonacci.
A música do mundo
adentra teu peito
em proporção áurea.

Uma corda perfeita
liga o mínimo ao universo.
Cardio-acorde,
fractais do coração.

Roda
à roda do mundo,
amada,
sorri:
sê infinita.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

A estrada

Vieram os homens
e tomaram medidas.

Vieram homens
com machados
e abriram clareiras.

Depois deles
outros homens
com marretas
quebrando pedras.

E carregaram as pedras
e as classificaram
e as selecionaram.

Com as pedras,
cascalho,
areia,
suor
e sangue,
os homens
foram pavimentando.

Fizeram a estrada
e a marcaram,
sinalizando-a
com placas
para que passassem
todos os homens.

Então alguns vieram com ideias,
uns pensaram em pedágio
e cancelas,
outros pensaram
em muros.

No alto, os corvos
riam
e não entendiam
os homens.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O naufrágio

Era um dia azul
e o cheiro de sal inundava o ar,
entrava pelos poros,
entranhava-se.

Era um dia de mar
encrespado
e era preciso
navegar.

Precioso era o mar,
infinito era o vento,
invisível era o kraken,
irresistíveis as sereias.
A umidade intumescia
as velhas tábuas de madeira,
Éolo envergava
os mastros imprecisos.
Era um dia de mar verde
e era um dia azul.

Uma fossa? Mudas as sereias,
mas irresistíveis,
o barco que já não era
cobria-se de verde
e azul não mais havia.
Um poço, repouso.

Era um dia azul
e sobre o verde, indiferente,
uma gaivota repousando
à deriva.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Estrela d'alva

Quando te fores
(dia claro já),
ficará um escuro aqui em mim.

O ex-presidente da república,
a bolsa de valores,
o petróleo no mercado internacional
e o cheiro de pólvora na cidade
(ó bombas de efeito moral)

virão ocupar o teu vazio.

Quando vieres, estrela d'alva,
se vieres
(no outro dia),
que sombra do menino que fui
restará
para te abraçar?


.....Nova Prata, 06/3/2016

quarta-feira, 29 de abril de 2015

quinta-feira, 19 de março de 2015

sábado, 9 de novembro de 2013

Das horas

Passei tanto tempo
correndo atrás do tempo,
quando dei um tempo
vi que o tempo
levou meu tempo,
deixou um temporal.



texto e fotografia: Eduardo Trindade

sábado, 2 de junho de 2012

Como Ana resolve palavras-cruzadas



Poema de Brana Petrović
traduzido do sérvio por Eduardo Trindade
Quais são suas intenções
quando todos os outros adormece
e apenas a mim desperta?

Tem Ana algum motivo
para assim tão bela dormir?

Respeito os poetas,
mas ressalvo:
ninguém pode
descrever a aparência
de sua pele escura.

Quando Ana chora
(eu não minto)
é mais bonita
que as frutas!
Que a chuva!
Que… caranguejos grelhados!
Que… o que quiserem!
Que pássaros a galope!
 E não é só uma frase de efeito
para enganar a Europa toda!

E quando se despe!
Livre e amaldiçoado observo
(e não sei como sobrevivo)
o grande milagre da luz!
Eu juro:
se te pudesse aquecer,
Ana, eu queimaria todos os teus ossos!

Quando desenha um barco! Quando semeia cevada!
Quando declara guerra! Quando ri!
Quando alimenta mariscos! Quando se resfria ao relento!
Quando lê uma bússola! Quando compra um novo vestido!
Quando bebe cerveja! Quando aparece do nada!
Quando idolatra líderes sindicais!

Quando é minha mão direita!
Quando é uma inscrição grega!
Quando sonha com flores!
Quando não quer!

A lembrança de uma criança inconcebível
sempre poderá substituir o fogo:
porque as nuvens são verdes para mim, tão verdes!
Tão intensas!

E quando as vozes se combinam!
Ó Deus,
minha cabeça se incendeia!

Eu posso nos lábios dela unir o mar e as flores!
Posso no país dela comandar a chuva!
Posso sob a janela dela imitar o Danúbio
ou alguns vulcões,
posso jurar
por tudo o que tenho,
e não tenho,
que o mundo existe por causa de Ana.

Quais são suas intenções
Quando todos os outros adormece
E apenas a mim desperta?

Tem Ana algum motivo
para ser tão bela quando dorme?

As flores, as serpentes, os ingleses,
todos já sabem:
ela ao beijar
cura todas as doenças!
Mas eu mais mais mais amo
quando ela liga os pontos,
quando resolve palavras-cruzadas.

Ela faz isso como se brincasse!
Parece que cria o mundo!
Qual o mais novo cavalo de Virgílio:
com uma mão segura o mundo,
com a outra o ilumina!
Procura, por exemplo, uma palavra
para beber como água,
para sussurrar,
subir,
voar,
e dormir.
Uma palavra que não é como as outras:
uma palavra para resolver palavras-cruzadas!

Então se produz o pequeno drama:
a água banha o litoral:
Ana, nua,
na palma da minha mão,
ó sonhada eternidade!
(Eu poderia apenas cuidar dela enquanto convalesce
ou dorme.)
Eeentretanto é tttão
perigoooso
ooo embbbalo
as pppppalavras
as palavras ssssse
estão resolvendo!

Quais são suas intenções
Quando todos os outros adormece
E apenas a mim desperta?

Por que enfim não se cobre quando dorme?


Nota:
Este é o primeiro texto de outra pessoa que publico aqui. Por que o publico? Primeiro porque, embora o autor seja o sérvio Brana Petrović (1937-2002), a versão em português é minha e, como bem sabe o meu amigo Arthura tradução de um poema pode ser obra tão grandiosa quando a criação de um poema. Este não é o caso (a versão original é bem mais musical, e é por isso que ela aparece lá em cima), mas ainda assim a divulgação vale a pena. Porque o poema é bonito, porque nós brasileiros (e lusófonos em geral) merecemos conhecer um pouco mais dessa cultura que é a dos Bálcãs e porque não encontrei na Internet versão alguma além da original. Espero que tenham gostado.