sábado, 24 de julho de 2010

Do simbolismo das palavras

Liberdade é pouco, o que desejo ainda não tem nome.
Clarice Lispector

Cadê a poesia que estava aqui? O gato comeu. O amor, o vento levou. Respeito, carinho, amizade? Teriam sido varridos para baixo do tapete? E se nos revoltarmos diante das frases feitas? Das palavras bonitas que só são bonitas porque alguém quis assim? De tão bonitas, ficaram vazias. O amor como uma modelo de passarela, de que serve? O Pequeno Príncipe como personagem de um livro que todo mundo leu, que ninguém realmente leu. E as citações tão citadas que perderam a força, moldadas que foram à força das conveniências? E a mentira repetida até virar verdade? E se a verdade se confundir com a mentira autenticada? Quando eu pegar novamente na tua mão, terá este toque o simbolismo de antes? O que vou sentir quando te arrepiares? E se não te arrepiares? Sigo em frente, até teu pescoço, tua garganta, tua medula, o recôndito em que se escondeu tua esperança. Lá onde mora o sonho descobrirei novas palavras para o meu sonho, descobriremos juntos, talvez, sílaba a sílaba, passo a passo, um nome para nosso desejo secreto de seguirmos lado a lado.

texto e imagem por Eduardo Trindade

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Circunavegação


Queres descobrir um mundo?
No teu quarto,
mais que janelas
procura espelhos.

por Eduardo Trindade

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Galileu

No fundo de uma noite insone,
observa o relógio parado.

A descoberta:
só o poema
ainda se move.








Eduardo Trindade

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A Outra Pátria de Chuteiras


Trilha sonora para esta crônica: Orelhano, Dante Ramon Ledesma
Para o tio Pepe, que hoje, mais celeste do que nunca, teria
torcido pelo seu país e abraçado este guri do outro lado da fronteira.
Não escondo de ninguém minha simpatia pelo Uruguai. É uma relação que vem da época de criança e que foi crescendo naturalmente, à medida que eu também crescia. Gaúcho, aprendi a ver os uruguaios como irmãos, ou talvez ainda mais do que isso, pois não me imagino brigando com nenhum deles.
E, nesta região do Prata e da pampa, nenhuma relação passaria indiferente ao futebol. O curioso é que nós brasileiros costumamos ver os uruguaios com muito mais simpatia do que vemos os argentinos. E teríamos motivos para que fosse exatamente o contrário, a começar pelo famoso Maracanazo de 1950. Ou, voltando mais ainda no tempo e extrapolando o campo esportivo, lembrando uma antiga rivalidade bélica: o que hoje é o Uruguai já foi província brasileira, e a independência dos nossos vizinhos foi conquistada no campo de batalha e à custa de sangue brasileiro.
Sorte que tudo isso já faz tempo e que as cicatrizes, se é que ficaram, são indolores. Converteram-se em amizade. Ah, se acontecesse o mesmo com todos os que um dia combateram em guerras fratricidas!
Alguns dos maiores admiradores da cultura brasileira que conheço nasceram no Uruguai. Assim como alguns dos maiores admiradores do nosso futebol – o que não quer dizer que não admiram o seu próprio futebol. Os uruguaios têm uma relação muito particular com a bola, relação que é marcada principalmente pela saudade. Afinal, neste território em que já foram imbatíveis, estão há mais de meio século sem um título como os do começo da sua história. Bem, saudade é algo que mexe muito comigo, e talvez este seja um fator que aumenta minha identificação com os uruguaios, embora se trate de algo perigoso, como lembra Eduardo Galeano: “Si aprendiéramos de ella, todo bien, pero no: nos refugiamos en la nostalgia cuando sentimos que nos abandona la esperanza, porque la esperanza exige audacia y la nostalgia no exige nada.
De qualquer maneira, este laço com o futebol, seja ele nostálgico ou não, deixa marcas. Em minhas conversas montevideanas sobre o esporte, era difícil eu não ser lembrado do Maracanazo – episódio que não vivi, que já foi purgado pelos nossos subsequentes títulos mundiais, e que hoje, embora ainda desperte orgulho nos uruguaios, creio que já não desperta tanta emoção em nós brasileiros. As minhas lembranças de guri são outras: de frequentar o estádio na capital uruguaia, e principalmente da comemoração efusiva de um título que eu não sabia bem qual era (hoje, fazendo as contas, suponho que seja a Copa América de 1987, vencida pela Celeste). Estávamos, se não me engano, em Colonia del Sacramento, e comemoramos junto com os uruguaios. Eu era criança e tudo era uma alegre festa. Algum tempo depois, nossos amigos uruguaios vieram a Porto Alegre e puderam retribuir a torcida e a festa ao acompanharem conosco o Gre-Nal do Século. Nesta outra comemoração, saímos em carreata pelas ruas, corações de países diferentes mais unidos que nunca.
Uma convivência dessas não se esquece. Pelo contrário, ela ainda é motivo de inúmeras histórias a cada vez que nos reunimos. E se, no dia-a-dia, já surgem motivos para relembrá-la, que dirá durante uma Copa do Mundo? Certo, pode ser só um jogo. Não justifica emoções desproporcionais. Mas não é só mais um jogo quando faz lembrar de tantos e tão bons momentos, ainda mais quando temos a oportunidade de acrescentar esperanza à doce nostalgia. Fiquei triste, hoje, com a derrota e a eliminação do Brasil. Mas me senti mais do que recompensado com a vitória heroica do Uruguai. Minha mãe acaba de contar que se ouviram fogos em Porto Alegre. Ora, saber que há tanta gente deste lado da fronteira adotando a Celeste no dia da eliminação da própria seleção brasileira é mais que curioso, é emocionante, afinal, mesmo entre irmãos, não é sempre que os braços dados conseguem abraçar tão longe e tão forte.

Eduardo Trindade
em 2 de julho de 2010,
dia da derrota brasileira para os Países Baixos
e do triunfo uruguaio sobre os ganeses.