
Não sabe que é efêmera.
Ela simplesmente voa
com todas as cores de que é capaz.
texto e fotografia por Eduardo Trindade
in italiano / en español
— Vem comigo?
— Como?
— Vem comigo.
— Assim sem mais? Eu acabei de chegar.
— Sim, e agora vais dizer que não me conheces.
— E é verdade, nunca te vi antes.
— Tanto melhor assim. Tens a oportunidade de me conhecer agora, livre dos preconceitos que terias a meu respeito se estivéssemos nos observando há dias ou semanas.
— Mas nem sei para onde queres me arrastar.
— Não te arrastaria nem que me pedisses para fazê-lo. Não tens pernas belas e saudáveis? Quero é que me leves pela mão. Vai na frente e eu te sigo. Hoje sou livre, tão livre que posso me entregar.
— Tu me pediste para ir contigo...
— Tu comigo ou eu contigo, dá no mesmo. O importante é caminharmos.
— Não me disseste ainda quem és.
— Se queres um nome, chama-me Arlequim.
— Não trazes máscara nem fantasia.
— Aí é que te enganas. Todos temos máscaras, embora muitos não admitam. E, sim, sou dos que ainda fantasiam. Mas eu já estava pensando que irias preferir a realidade.
— Só perguntei... Pois não te chamas Arlequim?
— Tu é que deves me chamar assim.
— Dá no mesmo.
— Nem sempre. Podes ter outro nome, mas hoje te chamo Colombina.
— Ah, é? Já vi que, para ti, a realidade não importa.
— E que é a realidade?
— Tu que começaste falando dela.
— Só usei a palavra, mas não gosto do que não compreendo. Prefiro a fantasia.
— E compreendes a fantasia?
— Trato de desenhá-la de maneira que eu a compreenda, doce Colombina.
— Pois agora supões que eu seja doce?
— Tanto quanto és Colombina.
— Não me chamo Colombina.
— Mas hoje eu te faço Colombina, para andar ao meu lado é preciso que sejas Colombina.
— Tinha entendido que me querias à tua frente, não ao teu lado.
— Mudei de ideia.
— Ainda bem.
— Mudei porque gostei de ti. Do teu nome. Combina com o meu. Dá-me tua mão?
— Só se me deres teu coração.
texto e fotografia por Eduardo Trindade
Há cidades musicais, cidades visuais, cidades gastronômicas... Há inclusive cidades fantásticas que combinam várias facetas, num convite aos sentidos – embora quase sempre exista uma face mais marcante, onde reside a alma do lugar.
Encontrar a alma de uma cidade exige paciência, disposição e um olhar atento, ao mesmo tempo imparcial e apaixonadamente envolvido com a rotina do lugar. Não é fácil. A alma não está nos guias que se vendem em bancas de jornal nem nas atrações, por vezes pasteurizadas, que eles descrevem. A alma vai além: não seria alma se fosse superficial e estivesse ao alcance do primeiro toque. Porém, passeando mais que viajando, perdendo-se mais que se encontrando, ouvindo mais os feirantes de rua que os guias de museus, descobrem-se aspectos interessantes. Similaridades insuspeitas. Familiaridades que não se teria imaginado.
Acontece com Belém. Poucos lugares poderiam ser mais diferentes da minha querida Porto Alegre natal que a capital paraense, certo? Pois eu não saberia citar cidades mais incrivelmente parecidas que estas duas.
As similaridades são um pouco visuais, com as avenidas arborizadas, a arquitetura neoclássica e a presença do rio como referência – rios de cor e largura semelhantes banham tanto Porto Alegre quanto Belém. E a paisagem da margem oposta, em ambos os casos, é a mesma. O clima de Belém, quente e úmido, não é tão diferente do verão porto-alegrense. Aspectos assim contribuem para que um visitante gaúcho se sinta em casa em Belém sem grande esforço – apesar das inevitáveis diferenças, como a gastronomia e os traços fisionômicos.
Diferente de Porto Alegre seria o mercado do Ver-o-Peso, marca registrada de Belém e símbolo do que, a meu ver, está na alma desta cidade: a variedade de frutas, farinhas, peixes, camarões. Sabores e, sobretudo, cheiros. Belém é uma cidade olfativa por natureza. A maniva, o tucupi. Pessoas temerosas da culinária exótica (dizem que a maniva crua é venenosa e deve ser cozida por sete dias para ser consumida sem perigo) podem até tentar passar longe de seu sabor. Mas não escapam dos cheiros que permeiam toda a cidade, nas feiras de rua, no atracadouro dos pescadores, nas tacacazeiras em qualquer esquina. Diferente de Porto Alegre? Pois uma das lembranças marcantes da minha infância é o forte cheiro de peixe do nosso Mercado Público. O cheiro já não é tão forte desde a reforma de alguns anos atrás, mas está suficientemente presente na memória para ser associado aos peixeiros do Ver-o-Peso.
Ver-o-Peso de Belém com cuias para o tacacá. Porto Alegre com cuias para o chimarrão.
Há em tudo isso o espírito de ambas as cidades: provincianas que sonham em ser metrópoles, a um tempo se orgulhando e se ressentindo do distanciamento do centro do país. E passando o tempo em rivalidades quase infantis com o vizinho, seja ele Santa Catarina ou o Amazonas. É preciso viver a fundo um lugar assim para compreender este mal-disfarçado orgulho provinciano e perceber que a sua essência é a mesma nestas duas cidades portuárias.
Os Engenheiros do Hawaii cantam, numa bela música com sotaque gaúcho: “Paralelas que se cruzam em Belém do Pará”. É mais do que uma figura de linguagem: Belém possui, realmente, ruas paralelas famosas por se cruzarem. Não chega a ser surpreendente se considerarmos que as tais ruas não são exatamente paralelas, mas oblíquas, como ocorre em muitas outras cidades. Mas é simbólico. Ainda mais quando cantado por um porto-alegrense: esse infinito em que as paralelas se cruzam, embora distante, nunca foi tão próximo.