Uma moda já bastante persistente no mundo cibernético é a das chamadas redes sociais, das quais o Orkut é o exemplo mais conhecido no Brasil. E é curioso como, a partir destas redes, algumas formas de relacionamento vão se modificando. Às vezes lentamente, é verdade, noutras vezes mais rapidamente do que estávamos acostumados. Tudo isso seria material farto para psicólogos e sociólogos. Eu, como simples cronista, não me atrevo a aprofundar o assunto, mas não posso deixar de perceber certas particularidades.
Porque as tais redes de relacionamento estão lá, permitem catalogar nossos conhecidos, classificá-los de diferentes formas e até interagir com eles. A todas essas, as pessoas continuam se encontrando, brigando, indo e vindo, às vezes dissimulando, eventualmente morrendo. E assim surge uma espécie de cemitério virtual.
Há alguns meses, um amigo faleceu tragicamente. Foi uma notícia chocante, como costumam ser as notícias deste tipo. Acontece que, depois, quando eu já me havia acostumado à perda, lembrei que aquele amigo tinha um perfil no Orkut. Um perfil bem elaborado, com textos, fotos, o mural de recados... E esse perfil, claro, continuava lá. Confesso que a constatação me arrepiou um pouco. Não tive ânimo ou coragem para fazer coisa alguma: deixei o perfil lá, quieto, entre todos os meus demais amigos.
Até que, agora, essa lembrança voltou. Pois eu reparei por acaso que um amigo em comum mantinha na sua própria página, em posição de destaque, um depoimento que havia sido enviado há tempos pelo falecido. E, sem saber explicar por que, a partir desta descoberta acabei acessando o perfil do meu velho amigo.
À primeira vista, tudo parecia normal. Ele estava lá, com o mesmo sorriso na fotografia, os mesmos traços de humor na descrição, os mesmos erros de ortografia aqui e ali. Os desavisados não perceberiam nada anormal. Mas, indo adiante, veriam não poucas mensagens de saudades deixadas por pessoas que, pelo visto, continuavam a escrever para o falecido – ou tentavam se comunicar com ele agora mais do que nunca. Perdoem a reação destas pessoas. Acho que religião alguma conseguiu isso: preces que não se perdem, mas que ficam registradas e públicas para quem as quiser acompanhar, ainda que involuntariamente; conversas com o além registradas num espaço inteiramente novo e eventualmente captadas pelos radioamadores de nosso tempo. Palavras como flores em um túmulo. Com a diferença de que estas flores, mesmo sendo talvez menos tangíveis, são definitivamente mais perenes. Estão lá, gravadas, nem precisariam ser renovadas. Mas surpreende perceber que são, sim, continuamente renovadas. Mais e mais mensagens.
E também alguns anúncios comerciais, convites, iscas para vírus e pornografia obviamente não solicitada. É a facilidade assustadora da comunicação ao alcance dos dedos. Falar com o outro lado do mundo, ou com o outro mundo, nunca foi tão simples. E ainda há quem duvide de que estamos na era da informação. Os folhetos de propaganda, quem diria, são entregues até aos mortos do cemitério.
texto e fotografia por Eduardo Trindade
13 comentários:
achei muito tocante o texto. eu ainda nao tinha lido nenhum tema abordando este assunto. meu noivo perdeu um grande amigo, e pude ver o quanto é real sua narrativa. ainda há comunidades que se voltam apenas para a espreita desses profiles.
com medo de que isto ocorra comigo (todos somos mortais, pode ocorrer a qlqer hora) deixo minha senha com alguem. nao gostaria q o meu perfil continuasse. acho q o orkut deveria ter um tempo maximo para o acesso, e depois a exclusão como um email.
bjs e parabens pelo post.
Blog Suicide Virgin
Olá Eduardo. Realmente estamos na era da tecnologia e nunca foi tão fácil comunicar com pessoas que estão muito distântes, mas ao mesmo tempo essa distância está reduzida a um "click"...e afinal estamos tão perto :)
Gostei do teu texto e realmente é um pouco estranho, mas nunca havia pensado nisso...
Um abraço.
Oi amigo.
Como dizia o sociólogo espanhol, vivemos uma nova Galáxia, a "Galáxia Internet".
Abraços
Victor Gil
Passei por isso há pouco tempo...
De certa forma não deixa a gente esquecer. Mas fico tão triste toda vez que vejo...
ótimo texto ,Edu.
Eu também já vi um perfil desses, era uma moça, ex-vocalista de uma banda de reggae da cidade. A banda estava crescendo, ficando mais conhecidas fora daqui, e ela morreu num acidente de carro.
Eu não era amiga dela, ela nem me conhecia..Não me lembro como heguei até seu perfil, provavelmente por meio de amigos em comum.
Quando me 'lembrei' que ela havia morrido.
Fotos alegres, sabe..e na página de recado muitas mensagens, como se ela pudesse ler.
Muito estranho. E eu não quis ficar mais na página por muito tempo.
Verdade...
Curioso e intrigante... Sempre pensei que era injusto a gente morrer e ser esquecido e pensar que a vida continua independente de quem já foi mas acho que não gostaria de ter um perfil "orkuternizado" por aí... Bjos.
É, Eduardo, parando para pensar é surreal e um tanto bizarro, mas acredito que valha um pouco para tentar aliviar a dor. Existem pessoas que nunca mexem no quarto de um ente falecido, só para manter a lembrança (sei caso de mães aasim). E esse lance do orkut é algo parecido com mater lembranças...
Mas o triste é quando acontece de invadirem o orkut de quem já faleceu, aconteceu algo triste com uma moça que morreu na universidade que estudava. Invadiram o orkut dela e começaram a mandar mensagens "dela", como se fosse do além. ISSO SIM É TRISTE e uma afronta aos amigos e, principalmente, família...
Beijos...
(obrigada pela oportunidade de reflexão... Vc é ótimo!)
outro dia eu me vi interrogando sobre como seria o meu blog sem mim, depois da minha morte, como um eco do meu recado sem voz...
muito bom o teu texto, ótimos questionamentos e argumentação.
um grande abraço, querido
Menino...já tem um tempo que penso nisso. Há uns dois anos perdi uma amiga, também de forma trágica, e me apavorei quando percebi que eu voltava ao perfil dela no orkut várias vezes... sem nem pensar muito ia até lá. Não cheguei a deixar recado, mas o troço me fez pensar na doideira que é isso. Teu texto tá perfeito. Bem escrito e cheio, cheio, cheio de reflexões pontuais tratadas com muita delicadeza. Obrigada por me fazer pensar nisso outra vez. Um beijo.
Que reflexão inteligente!
Sabe que eu já até havia pensado nesse poder da era tecnológica,que afeta até estes assuntos que antes eram respeitáveis....absurdo!
Certa vez,quando criei meu orkut (há 4 anos),deixei minha senha para minha irmã,para se acontecesse de eu morrer(rs) ela o excluisse para mim!
Mas,que podemos fazer não é?
Infelizmente a saudade vai além da consciência e leva-nos a deixar um "scrap" para quem já disse adeus....
Belo Texto,adimirável poeta!
Quanto à carta,não se preocupe!A sensação da espera é deliciosa!
Abraços!
Olá, Eduardo... muito bom o texto. Reflexões interessantes sobre o nosso mundo de virtualidades. Esse mundo que (re)cria a vida, que (re)inventa o real a todo momento, que (re)edita o que somos. E se aqui há espaço de criação e vida, também há espaço para términos, fechamentos de ciclos, mortes (reais ou virtuais), e também espaços para se elaborar perdas e espaços deixados. Vida louca vida essa.
Abraços, e dias de luz pra ti.
Um texto que nos leva a reflectir.
Muitíssimo bem observado. Gostei mesmo muito, Eduardo.
bjo
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