quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O fim das coisas

Quando estou no chuveiro, volta e meia eu me deparo com um dilema: o sabonete, ao ser usado, vai diminuindo de tamanho, diminuindo, diminuindo, até que usá-lo se torna impraticável, embora ele teime em não desaparecer por completo. Daí a dúvida: até que ponto ainda é valido usar o sabonete? Questão aparentemente inócua, ainda mais que ela vem num momento em que não temos testemunhas, mas não por isso mais fácil de responder. Quando é, afinal, que acaba o sabonete? Quem já usou o sabonete até o final? E não me venham com a tática de grudar o restinho do sabonete anterior naquele sabonete novinho em folha, recém tirado da embalagem. Isso eu também faço, mas sempre me soa como uma leve trapaça...
Na escola, havia uma outra situação parecida: era quando a borracha, de tanto ser usada, ia diminuindo de tamanho até restar apenas um cotoco. Mas quando é que acabava a borracha? Tecnicamente, ela não acabava nunca, pois sempre sobrava um pequeno pedaço. Porém, havia um momento em que este pedaço, de tão pequeno, tornava-se impossível de ser manuseado. O que fazer, então, com aquele cotoco?
Por inércia, eu não fazia nada, e o resto de borracha continuava rolando em meu estojo e sobre a mesa. Um dia, um professor mais irônico me perguntou:
— É de estimação?
Talvez fosse e eu nunca tivesse me dado conta.
Por outro lado, há aquelas coisas que efetivamente acabam. A caneta bic, por exemplo. Bem, talvez não seja um bom exemplo: dizem as teorias de conspiração que as canetas bic misteriosamente não terminam nunca. Alguém aí já chegou ao fim de uma caneta bic? Sinto desapontar os conspiracionistas: as minhas canetas acabavam, sim. O que havia de misterioso era acompanhar a evolução do nível de tinta no interior do tubo, como um termômetro que parecesse imóvel mas, sorrateiramente, estava diminuindo semana após semana. Até chegar ao fim.
Voltando aos itens de higiene pessoal, eu devo ter alguma implicância com perfumes. Pois um frasco de perfume, na minha mão, dura anos. Não que eu seja econômico demais, pelo contrário. Simplesmente deve estar acima do meu entendimento o mecanismo que faz com que aquele minúsculo frasco, que eu uso todo dia, dure tanto tempo — até um ponto em que, de tão velho o perfume, a sua fragrância guarda quase nenhuma semelhança com a fragrância original... Nesta linha, um amigo meu ficava francamente chateado com as loções pós-barba que, segundo ele, duravam tempo demais: aquele frasco cheio do qual só usamos poucas gotas por dia representava, inegavelmente, um estoque desnecessário de produto. Nas palavras dele: dinheiro parado...
E as coisas que, embora teoricamente feitas para durar, sabemos ter os dias contados? Aqueles radinhos de pilha comprados na frente do estádio que raramente duravam mais que um único jogo de futebol. Os famosos guarda-chuvas de camelô que, quando não são abandonados pelo dono distraído em algum local incerto e não sabido, terminam seus dias escangalhados pelo uso. E que têm a particularidade de só dar a perceber o quanto é irremediável o estrago das varetas ou da costura no meio do aperto, ou seja, da tempestade. Antes assim. Encharcados ou não, todos sabemos que o fim de um guarda-chuva velho é o lixo. Mas ainda não me responderam: quando é que acaba uma borracha ou um sabonete?


Lembrete: amanhã, sexta-feira, tem publicação minha no Autores S/A e no Blog de 7 Cabeças.

12 comentários:

Meire Jorge disse...

ahhh..o seu sabonete não acaba porque vc não tem unha comprida!!!....rsrs....basta espetá-lo nas unhas e com jeitinho ir usando...até que suma completamente....rsrs....
Que delícia seus textos, simples e à medida que lia, em minha mente vieram coisas como o amor, a vida...etc....também não conseguimos usufruir do finalzinho...parece mesmo que as coisas terminam antes do fim!
Abços

Rouxinol disse...

Edu, como eu estou desatualizada de você!!! Seu blog tinha uns três posts que eu ainda não tinha lido...
Adorei a sua reflexão sobre o "fim das coisas". E, para variar, viajei no tempo e no espaço para a famosa fazenda da minha avó, onde os cotocos de sabonete eram reciclados por ela (não me pergunte como, você é o engenheiro químico!) em uma operação alquímica pra lá de criativa! Agora, vou te confessar: o resultado era melhor na teoria do que na prática. Saídos de umas forminhas com contorno de patinho, ou de tampinhas de garrafa, eles já não tinham mais cheiro e praticamente não faziam espuma...
Não é engraçado? Eu jamais teria me lembrado disso se não fosse pelo seu post!
Ah, e as minhas canetas bic SEMPRE acabam! O que não deve ser difícil de deduzir, considerando o tamanho desse comentário, hehehehe...
Ai, tô com muitos comentários acumulados! Saudade!
Beijos!

Noslen ed azuos disse...

...acaba num momento de distração...

abraços
ns

Andréa Amaral disse...

Ah ha! Minhas borrachas eram mastigadas e engolidas feito chiclete, acredita? kkkk. Não é à toa que sou gorda até hoje.
Quanto ao perfume, também tenho alguns que nem pra doação servem. O que fazer então?
Reciclar o vidro pra outra coisa serve?
Tentei "reciclar" os cotocos de sabonete num pote grande de condicionador com água, pois vi num programa de tv que depois eles viram um sabão líquido bom para lavar peças íntimas. Quando resolvi abrir o pote com esta intenção, estava com cheiro de podre.

Dammile disse...

Hahaha, muito inteligente seu texto, ameeeeeeeei Edu, escritor pra mim é aquele que te faz viajar e repassar as imagens na mente, muito bom!

Paula disse...

Gostei muito deste texto. Tens razão...quando acaba a borracha?? E quando encontrámos uma na gaveta, perdida, rolando...pegamos nela e sorrimos e volta para a gaveta. :P
Um Abraço!

Lohan disse...

A única coisa que jamais acabará será o seu talento. Ele irá perdurar na história. Texto leve, alegre, curioso. Coisas que não paramos para pensar... Só msm vc para parar, rs.
Abraços Edu!

Maggie disse...

É verdade, há coisas que parecem não acabar nunca... Pena é que algumas acabem tão depressa!
Ao sabonete acabava por ser eu a dar sumiço (agora uso sabonete líquido, por isso está resolvido!), mas as borrachas...Acho que tenho borrachas bem pequeninas até hoje, assim como os lápis que são quase impossíveis de agarrar para escrever.
Ah... e as minhas canetas bic também acabavam... e as vermelhas continuam a acabar, mais depressa ainda (não esquecer que sou professora)!

Texto simples e lindo, por todas as imagens e memórias que evoca!

Abraço transatlântico!

Camila disse...

Edu, adorei seu texto, fiquei rindo aqui e pensando numa outra questão... a minha teoria da conspiração em relação as canetas Bic é a seguinte: não é que elas nunca acabem, mas é que elas simplesmente desaparecem! Não importa quantas eu compre, elas sempre vão sumir e eu sempre vou ter que comprar outra. Curiosamente, elas aparecem tempos depois em outro lugar, atrás de um armário, embaixo da cama... [não espalha, mas acho que elas são abduzidas]
beijos!!!!

Marina disse...

Algumas das minhas Bics chegaram a acabar, mas a maioria sumia, misteriosamente. Isso deve fazer parte da tal teoria da conspiração, dos extraterrestres, gnomos ou coisa parecida. E quando reaparecem, sempre estão com as pontas mordidas. Invariavelmente.

Ah, e eu grudo um sabonete no outro, confesso.

Thainá Rosa disse...

Eu não sei Edu,o meu sabonete eu deixo lá,pequenininho. Até que um belo dia ele some,sozinho!
Talvez os gnomos ladrões de sabonetes levem para lavar seus pequenos pés gnomescos! :D

Thainá Rosa disse...

P.S: Seu blog é tão bacana que até os comentários são gostosos de se ler.