terça-feira, 3 de novembro de 2009

A primeira viagem

Minha mãe tinha uma coleção de selos.
Ainda criança, eu adorava me sentar e me desligar do tempo, simplesmente vendo as mil coisas contidas naqueles pequeninos pedaços de papel. A princípio, o que me atraía eram as cores dos selos que tinham como motivo animais, a natureza em geral, obras de arte, meus ídolos ou simplesmente figuras do imaginário infantil. Os personagens de Monteiro Lobato, o milésimo gol de Pelé... Ao mesmo tempo, eu tinha uma admiração respeitosa pela idade de alguns selos do começo daquele século. Parecia incrível para mim ter contato com algo tão antigo.
Logo passei a me aventurar no álbum que havia repleto de selos de várias dezenas de países. Era um desafio: tantas línguas, tantas diferenças de estilo que eu sequer sabia a que se deviam... Aquilo, sim, me fascinou. Eu olhava para os diferentes alfabetos e tentava adivinhar as misteriosas inscrições que designavam selos sovitéticos, indianos, japoneses. Mesmo quando se tratava do alfabeto que eu julgava conhecer, que diabos estava escrito naqueles selos finlandeses e alemães? Minha curiosidade se aguçava cada vez mais, assim como minha vontade de pesquisar e descobrir. Ah, que alegria foi quando consegui associar com segurança aquelas “cobrinhas” do alfabeto devanagari à Índia! Quando descobri a diferença entre aqueles selos chineses e os japoneses!
Eu era um pequeno personagem de Júlio Verne. A volta ao mundo em incontáveis selos.
Os selos que minha mãe guardava foram minha primeira grande viagem.
Um dia, eu descobri que a coleção ia somente até o ano de meu nascimento. Nem seria de se espantar: naquele ano, a rotina da casa deve ter sofrido uma reviravolta com a minha chegada, ou seja, a chegada do primeiro filho. Bem, confesso que poderia ter me sentido ligeiramente culpado com essa descoberta: quantas viagens deixaram de acontecer por minha conta?
Depois, eu entendi: aquele ano foi, na verdade, o início de novas viagens.
E cada nova viagem tem sempre aquele gosto de descoberta; o espírito de Júlio Verne, à sua maneira, continua forte até hoje.

6 comentários:

magna disse...

olá Edu,que delicia de viagem e saber que quando você nasceu começou uma viagem sem fim,de descobertas de procuras, encontros tudo junto e beeeemmm misturado!!!
parabéns por você estar aqui desenahndo com palavras uma imagem!
bjussssss

Ariane Rodrigues disse...

que lindo! eu teria dado o título de "o último selo", mas eu não sou muito boa nisso como sabe. Um bjo.

Victor Gil disse...

Amigo Eduardo.
A primeira viagem e logo uma viagem através do tempo.
Até em casa, sentados junto à secretária, conseguimos hoje fazer as mais variadas e estranhas viagens.
Um abraço
Victor Gil

Rouxinol disse...

Edu, que coisa linda!
Quando li o começo do post no twitter, talvez sem pensar direito, achei que os pequeninos pedaços de papel (que eu li como "blocos") eram livros, e que o texto contaria sobre a feira do livro.
Está aí a origem de tudo! Mas... A primeira viagem não pertence às Cartas de tantas léguas? Ou teria sido embalada por uma Valsa invisível que justifica a sua pertença a estas paragens?
Um beijo muito saudoso, amigo meu.
Cris.

rejane disse...

Ah... que lindoooooooo!!!!!!!
Sim.... naquele ano começou realmente uma viagem muito mais importante e fantástica para mim...
Beijos!!!

Marta disse...

Muito Lindooooooooooooooooooo :)

beijo imenso, Eduardo