Juntei os cacos de palavras, os restos de páginas partidas, as sobras de frases nunca ditas. Uni, colei e aproximei com vírgulas, preposições, conjunções e até com adjetivos (todas as cartas de amor são ridículas). E reticências. Preenchi os espaços vazios com reticências como, nos mapas antigos, as figuras de seres fantásticos cobriam as áreas ainda não exploradas pelos navegadores. Tanto a descobrir, tanto a ser dito, e eu me perdendo em devaneios. Distraí-me com arabescos no canto da folha enquanto esperava o telefonema, a noite, a inspiração. A coragem não veio e o silêncio não ajudou. No escuro, atabalhoado, deixei que fossem ao chão as peças do quebra-cabeça. O vento levou, a poeira cobriu, o tempo comeu e nunca ficaste sabendo. A gaveta amarelou o que nunca lancei ao ar, ao mar. Como nunca me lancei a teus braços. As rimas soltas não chegaram a se encontrar, a semente que poderia ter florescido adormeceu no mofo de um quarto sem luz enquanto, lá fora, ias rindo pela rua, mãos e lábios unidos a alguém que escrevia menos e agia mais. Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.
Eduardo Trindade,
com citação de Álvaro de Campos
com citação de Álvaro de Campos
7 comentários:
Ow, que lindo!
P.s.: que letra fofa! :D
Olá Eduardo, vim passar uns momentos com seus posts e me senti bem, o jeito de seu escrever versa com meu pensar e esquecer.
Abraços
ns
Quando eu crescer, quero ser tão (lindamente) ridícula quanto esse texto.
Acalentador!
Abraços,Eduardo
Mônica
me mate de inveja com essa letra....
Muito bonito o texto!
abraços blogosféricos!
^^
may
adorei a inserção do poema de Pessoa, adorei seu texto. demais... uma boa 'dupla' os dois.
É Edu, só quem nunca escreveu cartas de amor pode ser ridículo...
e quem nunca deixou pelo menos uma delas amarelar dentro da gaveta, ou no meio de um livro. Ou, em tempos digitais, deixá-la envelhecer num arquivo, anexo a um email jamais enviado.
Todas as cartas de amor são ridículas, assim como todos os amores.
Adorei o texto
beijos e boa semana
Ai, querido Eduardo... quanta saudade... faz tempo que quero escrever-te, faz tempo que quero vir aqui, dançar contigo essa valsainfinita. Que gostoso retornar... encontrar essas letras vivas, pulsantes...
Saudades imensas, moço...
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