sexta-feira, 29 de maio de 2009

Pessoa e as Valsas

Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvores, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
Fernando Pessoa

Ora, vejam! Fernando Pessoa, o poeta, em Lisboa, lê As Valsas Invisíveis!
Gostará ele dos versos?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Picadeiro

Voltando do circo
quero ser mais que ilusão.
Quero-te mais que ilusão.
Minha matéria são teus lábios:
com eles sorrio,
contigo extraio
do escondido do peito
o sentido secreto
jamais suspeitado
e jorram flores
de lágrimas insepultas
sob beijos sedentos.
Voltando ao circo
quer ser mágico,
quero-te minha
mais perfeita
mágica.

Eduardo Trindade

terça-feira, 12 de maio de 2009

Dentro da noite veloz

Xilogravura de Eduardo Trindade

Na quebrada do Yuro
eram 13,30 horas
(em São Paulo
era mais tarde; em Paris anoitecera;
na Ásia o sono era seda)
Na quebrada do rio Yuro
a claridade da hora
mostrava seu fundo escuro:
as águas limpas batiam
sem passado e sem futuro.

(Ferreira Gullar)

Mais uma xilogravura. O título desta foi roubado de Gullar. E assim como há muitas noites, esta pode ser em muitos lugares: na Lapa carioca, em Paraty, São Luís, na antiga Cidade Baixa portoalegrense, ou talvez num sonho...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Poema em forma de gorjeio

Sabiá cisca no muro.

No alto do muro
procurando
sementes,
insetos,
pequenos galhos,
sabe-se lá o que mais.

Vai de um lado a outro
por toda a extensão do muro.
O muro se faz passarela,
passarela se faz caminho.
O sabiá caminha
– percorre
seu pequeno mundo.

O sabiá,
ocupado que está,
não tem tempo de reparar
cá embaixo:
dos dois lados do muro,
dois vizinhos discutem
uma questão de fronteiras.


por Eduardo Trindade