terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Diálogo de Carnaval

— Vem comigo?

— Como?

— Vem comigo.

— Assim sem mais? Eu acabei de chegar.

— Sim, e agora vais dizer que não me conheces.

— E é verdade, nunca te vi antes.

— Tanto melhor assim. Tens a oportunidade de me conhecer agora, livre dos preconceitos que terias a meu respeito se estivéssemos nos observando há dias ou semanas.

— Mas nem sei para onde queres me arrastar.

— Não te arrastaria nem que me pedisses para fazê-lo. Não tens pernas belas e saudáveis? Quero é que me leves pela mão. Vai na frente e eu te sigo. Hoje sou livre, tão livre que posso me entregar.

— Tu me pediste para ir contigo...

— Tu comigo ou eu contigo, dá no mesmo. O importante é caminharmos.

— Não me disseste ainda quem és.

— Se queres um nome, chama-me Arlequim.

— Não trazes máscara nem fantasia.

— Aí é que te enganas. Todos temos máscaras, embora muitos não admitam. E, sim, sou dos que ainda fantasiam. Mas eu já estava pensando que irias preferir a realidade.

— Só perguntei... Pois não te chamas Arlequim?

— Tu é que deves me chamar assim.

— Dá no mesmo.

— Nem sempre. Podes ter outro nome, mas hoje te chamo Colombina.

— Ah, é? Já vi que, para ti, a realidade não importa.

— E que é a realidade?

— Tu que começaste falando dela.

— Só usei a palavra, mas não gosto do que não compreendo. Prefiro a fantasia.

— E compreendes a fantasia?

— Trato de desenhá-la de maneira que eu a compreenda, doce Colombina.

— Pois agora supões que eu seja doce?

— Tanto quanto és Colombina.

— Não me chamo Colombina.

— Mas hoje eu te faço Colombina, para andar ao meu lado é preciso que sejas Colombina.

— Tinha entendido que me querias à tua frente, não ao teu lado.

— Mudei de ideia.

— Ainda bem.

— Mudei porque gostei de ti. Do teu nome. Combina com o meu. Dá-me tua mão?

— Só se me deres teu coração.


texto e fotografia por Eduardo Trindade

8 comentários:

Marta disse...

Que lindooooooooooooooo :)
fazer de conta, assim, é uma delícia!

e sim, todos nós usamos máscaras.
à que o assumir!

[aliás, Eduardo,permite-me a sugestão, se gostas do tema, procura um livro que adorei ler:
«A representação do eu na vida de todos os dias», do Erving Goffman.]

Juliana disse...

ah, que fofo.
fui lendo o texto todo... e me encantando com cada palavrinha

:)

digo que eu tava meio desanimadinha pro carnaval, mas seu texto me fez mudar um pouco de idéia...
quem sabe não encontro uma fantasia de colombina querendo ser vestida?

até mais

Juliana disse...

Dá-me teu coração doce Arlequim?

Fascinante a cada travessão...

Ariane Rodrigues disse...

Eh, mas o Carnaval não dura pra sempre e é uma pena que alguns se sintam mais atraídos pela fantasia. É mais fácil ter uma conduta fugidia perante a vida e as relações. No entanto, fantasiar é também saudável e necessário... Após toda essa falação, o que importa é que o texto é cheio de candura, lindo e terno! Abraço!

Anitha Rosenrot disse...

Existem dias para se encarar a realidade e outros, como os de carnaval, feitos para fugir completamente dela, mergulhando na fantasia.
Tão mágico esse texto,Edu!
Senti como se eu fizesse parte dessa cena ! Até me fez lembrar uma marchinha,Máscara negra, conhece?

Marina disse...

Ahhh, que lindo! Adoro a poesia do carnaval. Adoro! Escrevi um texto parecido, há uns anos; mas eram outros personagens, outras fantasias. Mas era a mesma realidade, que nunca é totalmente real.

Adoro textos só com diálogos. Fica tudo por conta da imaginação. Tem algo mais rico que isso?

Beijos!

Dani Santos disse...

... as máscaras, o encanto, as fantasias e os sonhos, a bailarem feito mágica, nessa marcha bonita de carnaval...

adorei, adorei. palavras sempre belas, sempre a mostrar/criar mundos novos e lindos.

abraços abraços...

Sissym disse...

Eduardo, vc é por demais sensível. Adorei sua indicação, especialmente ao ler: "Todos temos máscaras, embora muitos não admitam". É isso. Vc captou a essência! Agradeço Arlequim!
Beijos.