sábado, 16 de julho de 2011

A quem cabe na palma da mão

Bazoguita.
Túti, chegaste há tanto tempo que os detalhes são imprecisos, chegaste bebê, eu era guri e o mundo era um mundo. Chamaram-te Túti, chamamos-te Túti, eu fui o único a insistir no acento em teu nome (paroxítona terminada em i), mas não importava tanto, não assinavas, tua assinatura era teu latido.
Durante uma vida foste nossa cachorrinha. Durante quatro lares foste nossa irmãzinha. Quatro casas, mais as temporadas em Capão da Canoa, quando corrias na praia mas tinhas medo do mar, mais a casa temporária da Glória, em que outra cachorrinha, a Bibi, vivia te importunando (lembras?), mais algumas outras em que fomos visitas, tu que estavas conosco, tu que eras da família.
Tu que cabias na palma da mão, tu te lembras de uma foto em que estás toda encolhidinha dentro de uma pantufa, a cabeça apenas para fora? Não cresceste muito, os da tua raça não crescem muito, continuaste cabendo num colo, num abraço. E não é preciso mais que a palma da mão para um carinho. Quando há carinho, o mundo cabe na palma da mão.
Cresceste com nosso irmão Tiago, lembras como ele era também pequeno, quase como tu? Lembras quando começamos a conversar contigo numa língua inventada, brincadeira de criança? Bazoguita, matuia, tutipum. Olhavas, nem sempre respondias, mas entendias. Era o nosso segredo.
Durante quantos churrascos fomos uma família. Quantas brincadeiras, escadas (sempre tive medo de que as escadas fizessem mal à tua coluna, tu que eras tão frágil). Passeios no Brique, idas ao parque.
Saí de casa e passamos a nos ver menos, nunca pudeste me visitar, mas com que alegria eu te visitava e com que alegria me recebias. Como gostavas do sofá, com que alegria me convidavas para sentar junto contigo, tu que deitavas no sofá com a cabeça sobre a minha perna e me obrigava a te pedir licença sempre que eu precisava me levantar. Uma vez apenas foste te despedir de mim no aeroporto e te expulsaram, o aeroporto parece que não é lugar para cachorros. Ficavas agitada quando me vias arrumar uma mala, temias as despedidas. Às vezes eu saía de madrugada para o aeroporto e te deixava dormindo, despedia-me em silêncio por não querer te acordar, mas como doía. Como dói não poder se despedir.
Então chegou o dia de hoje e foi tua vez de ir embora. Sim, como dói não poder se despedir. Espero que tenhas sido feliz, espero que tenhamos sido uma boa família.
Sejas feliz, é o que dizias a cada um de nós, é o que te dizíamos. Bazoguita.
É o nosso segredo.

5 comentários:

Mi Müller disse...

Edu querido!
Sinto muito pela perda da Túti. Só mesmo tu esse guri das ciências com alma de poeta para conseguir expressar com palavras tão bonitas essa dor.
estrelinhas coloridas...
p.s. baita saudades de ti ;)

Armila disse...

Caro Eduardo,me comoveu demais esta crônica em homenagem à esta cachorrinha,Túti,que só conheci de ouvir falar.Por certo ela foi muito feliz no convívio com pessoas tão carinhosas e sensíveis.Sinto pela perda.Um abraço!

Marina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marina disse...

Eu entendo isso. E como!
Já foste no meu blog hoje? Parece combinado.

Beijos.

Cla452 disse...

Conheço a dor e também a alegria que um companheiro canino pode nos proporcionar. Com o tempo, fica só a alegria das lembranças! xD

É maravilhoso eternizar quem gostamos com palavras e como elas são doces! Meus sentimentos.