quarta-feira, 21 de abril de 2010

Paisagem

Volto ao parque da minha infância.
As árvores, vejam só, ainda estão lá:
uma paineira, de repente, já desdentada,
pinheiros espalhados
e o aroma de eucaliptos.
Em tudo a mesma canção.

Um bosque de bambus vibra com o vento:
estala e range com o vento.
Parece a cantiga
antiga
agora renovada
dos barcos no cais querendo se soltar,
rangendo as amarras
em busca de novas melodias.


Poesia em Foco
Não percam a excelente resenha que a escritora e em-breve-jornalista Talita Guimarães elaborou sobre As Valsas Invisíves em seu blogue. E lembro que quem quiser adquirir um exemplar do livro, além de procurar nas livrarias, pode entrar em contato comigo.


Por Eduardo Trindade.
Fotografia no Parque da Redenção e versos neste e em outros recantos de Porto Alegre.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Éden

este texto na voz do autor



Em algum ponto da estrada perdemos nossa inocência.
Começamos bem, até. Queríamos ter tudo, queríamos ser tudo, e acreditávamos sinceramente que seríamos. Teríamos a felicidade. Continuaríamos brincando mesmo depois de adultos. Seríamos livres, educaríamos nossos filhos de maneira diferente, não poluiríamos o planeta nem seríamos tolerantes com a injustiça. Salvaríamos o mundo.
Rezaríamos todos os dias para o Papai e a Mamãe do Céu. Conversaríamos com nosso Anjo da Guarda.
Praticaríamos uma boa-ação todos os dias. Juramos ser bons.
Nossos juramentos eram coisa muito séria.
Juramos amar eternamente. Nunca haveria ninguém mais feliz, nem espelho mais perfeito que o casal que formaríamos. Amar seria natural, acreditar era fácil. Trocar olhares seria sempre motivo de orgulho. Inventaríamos novos carinhos. Faríamos sexo de um jeito só nosso, e seria bom e límpido como tudo era límpido e bom.
Teríamos um ao outro sem que o nosso ter significasse possuir.
Mas, em algum ponto da estrada, nós nos distraímos.
Faríamos muitos amigos e nos daríamos bem com todos eles, mas um dia nós nos descobrimos de cara amarrada.
Acabamos falando a frase errada na hora errada. Então, sacudimos os ombros, fora só uma frase. Nem percebemos que alguma poeira foi ficando pelo caminho.
Quisemos mudar para a fila ao lado porque ela parecia andar mais rápido. Certa vez, quando ninguém reparava, ousamos burlar a fila.
Sabíamos que Deus nos perdoaria.
Tínhamos tanta certeza de que Deus nos perdoaria que esquecemos Deus, esquecemos qualquer deus que pudéssemos ter.
Um dia, sentimos vergonha de nossos corpos. Cobrimo-nos. Culpamos a idade, as rugas, os cabelos desgrenhados.
Culpamos. Culpamo-nos.
Duvidamos de nós mesmos.
Tivemos medo de que o amor pudesse machucar. Sem perceber, impusemos condições ao amor.
Descobrimos que o medo pode machucar.
Quando a noite chegou, demoramo-nos decidindo o que fazer. E, ao concluirmos que precisávamos um do outro, era tarde, já estávamos distantes.
Agora buscamos, na estrada, a bifurcação onde nos separamos. O medo se instalou e dura mais que a noite, não sabemos se esperamos, voltamos ou seguimos. Talvez nossos caminhos se reencontrem, talvez o amor esteja lá atrás, na encruzilhada, em busca de uma segunda chance.
O remorso, com seus pés de curupira, quis tomar o lugar da esperança.
Mas, em algum lugar do coração, continuamos acreditando em nós como uma unidade, em nosso caminho como um caminho. E assim seguimos pela estrada, convencidos de que um dia, nunca tarde demais, descobriremos o que foi perdido, diremos o que não foi dito, e seguiremos, de mãos dadas, mais fortes e mais seguros para quando a noite voltar.

Eduardo Trindade

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Bolero, samba e silêncio


Já ouvira Iglesias, agora ouvia Caymmi. Este, uma excelente maneira de fingir felicidade.
Uma frase, uma única palavra mudaria o seu destino e o seu sorriso. Mas o telefone não tocava, o computador nem piscava, o carteiro não aparecia.
Resignou-se, tomou um pedaço de papel, escreveu, de si para si, a frase esperada.
Eu te amo.
E a noite chegou em silêncio, o samba esquecido no fundo de um beijo que não acontecera.

por Eduardo Trindade