sábado, 25 de abril de 2009

Cores de Abril

Flores na sacada

emoldurando a janela.


Tempo de cuidar das plantas.


Nova terra, água fresca,

tesoura de poda,

caminho aberto para os ramos

que vêm a caminho.


Terra nova

para a planta dos pés,

caminhar jubiloso

ao vento fresco.


Renovação:

é dia de sair à rua

com um cravo na lapela.



(Hoje, 25 de abril, nasceu minha sobrinha Sabrina. Nome de fada e dia de cravos.)


Eduardo Trindade

domingo, 19 de abril de 2009

Cartola Vermelha (2/2)


Enquanto ela falava, as nuvens se adensavam, o céu escurecia e diminuía a quantidade de pessoas na rua. Eu sabia que deveria ir para casa, mas estava encantado pelas palavras rápidas e fáceis daquela menina. Volantina Violeta... Ela continuava empolgada, falando do circo, da família, de lembranças... Porém, como o céu começava a ser riscado por alguns trovões e já quase não se via sombras na rua, foi me crescendo um medo de sermos pegos pela chuva, desprevenidos e desabrigados. Olhei para o relógio com uma leve impaciência e arrisquei:

— Para onde é que vais agora, mocinha Violeta?

— Preciso levar a cartola.

— É...?

— Agora que achei a cartola, papai vai gostar de tê-la de volta. Ele precisa dela. Para que haja circo.

— Teu pai...

— Um dia, há muito tempo atrás, o circo pegou fogo... Dizem que foi um domador, um que tinha sido mandado embora porque o viram maltratando o elefante, dizem que ele é que tocou fogo em tudo. Eu não sei se existe gente ruim assim, pode ter sido um dragão que estava resfriado e deu um espirro. Mas aí pegou fogo. E foi o fim. Virou fumaça o homem de roupa colorida, só sobrou a cartola. Essa aqui.

Enquanto ela me apontava a velha cartola vermelha com um gesto indiferente, entendi que a menina tinha ficado órfã muito pequena, talvez antes mesmo de nascer. Minha memória, que costuma ter dedos compridos, voou longe e buscou a lembrança de um longínquo grande incêndio num circo à beira do rio, incêndio que consumiu cores e vidas e ocupou em vão as páginas dos jornais. Mas eu ainda não tinha entendido tudo. Ela estava levando a cartola? Para quem? Abri a boca para fazer uma pergunta, mas nesse instante a tempestade começou a desabar em gotas grossas. A menina ficou visivelmente alvoroçada, recuou, olhou para o alto e para os lados, pediu desculpas:

— Preciso ir, preciso ir. Eu não queria molhar a cartola. Ele não vai gostar de ver a cartola molhada. Pode pensar que não cuido das coisas dele. Desculpa. Eu já vou. Vai também, se ficarmos aqui parados acabamos ensopados. Quem sabe a gente se encontre outro dia... Quem sabe no circo?

— Mas se já não há mais circos..?

Ela, porém, não respondeu. Já se afastava, desviando da água que escorria pelas marquises. A noite descera. A escuridão se adensara. Os lampiões, agora acesos, pareciam incapazes de vencer aquele ar de solidão que surgira de repente. Olhei. O rio eu sabia que estava perto, sabia pelo barulho das águas da chuva e da correnteza que se misturavam, mas meus olhos não distinguiam nada. Um ziguezague lépido cortou a minha frente e vi um tênue borrão vermelho sumir no escuro. O lampião da rua nas gotas que caíam criava um piscar frenético. Como reflexos no picadeiro.

Súbito, um novo relâmpago venceu a noite. Avistei pela última vez a menina, já na margem, agora de frente para uma figura alta e delgada que ajustava à cabeça uma certa cartola vermelha com fita de cetim. Tive a impressão de que a figura se dirigia para o meio do rio, caminhando, enquanto a menina observava. Mas já não tinha certeza de nada. Os trovões amainaram e a escuridão voltou. Não a vi mais. O circo, enfim, deixara a cidade.


conto de Eduardo Trindade

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Cartola Vermelha (1/2)

Era uma daquelas tardes de outono em que o céu se tinge de escuro e a noite parece que tem pressa de chegar, disfarçada em nuvens cinzas.

Uma menina descia a rua em direção ao rio. Vinha sozinha, indiferente ao movimento de pessoas ansiosas para chegar em casa, escapar da chuva. A menina usava uma cartola.

Uma cartola vermelha.

Uma cartola vermelha e brilhante, com uma fita também vermelha e brilhante que terminava num elegante laço.

A cartola era ligeiramente grande para a menina. Ou seria a menina ligeiramente pequena para a cartola? Penso que a cartola é que era grande. As meninas, como qualquer pessoa, são do tamanho que são, umas cabem na palma da mão, outras cabem no coração. Esta vai tão leve que poderia andar de balão. Mas vai é caminhando depressa, serelepe, saltando poças imaginárias da água que ainda não começou a cair.

Olhando bem, é como eu desconfiava: a cartola não é tão grande assim, ela se ajusta quase com perfeição à cabeça da menina. Acontece simplesmente que a menina é miúda, miudinha, e a cartola de copa bastante alta cria um curioso contraste. Uma figura que chama a atenção enquanto desce a rua. Um ponto vermelho, ou melhor, um risco vermelho em ziguezague na direção do rio.

Alguém aí já viu isso? Uma guriazinha lépida usando cartola vermelha desviando de poças que não existem?

Ops!... A cartola saiu voando! E lá vai a menina saltitando, agora em linha reta, tentando alcançar a cartola que foge. Estranho isso, parece que não há vento algum e, no entanto, uma imperceptível lufada deve ter arrancado a cartola. Ou terá sido algum movimento mais brusco que a fez escapulir?

Pronto, a menina acabou de recuperar o adereço e agora está ajeitando-o novamente no topo da cabeça. Ao correr atrás da cartola, a menina se aproximou do rio e de mim. Há uma banca de jornal perto da esquina, é onde estou agora, e minha personagem está a poucos passos daqui. Parou, parece que finalmente indecisa sobre o rumo a seguir, ou talvez simplesmente tomando fôlego. De repente, repara em mim, é o que sinto pelos seus olhos sob a aba do chapéu, olhos curiosos postos nos meus. Eu falo:

— Boa tarde, menina.

Apenas os olhos dela, agora mais acesos e mais curiosos, a me responder. Torno a falar:

— Boa tarde, menina. Gostei do teu chapéu...

— Ah... Obrigada.

Ela obviamente não sabe o que dizer. Na verdade, eu também não sei. Começo a sentir remorso por ter interrompido aquele momento lúdico da menina correndo com um chapéu colorido. Agora não tenho como lhe restituir a espontaneidade. Ela, porém, logo supera a timidez e passa a falar num ritmo de quem quer desabafar:

— Foi mamãe quem fez...

— O quê?

— O laço, a fita. Foi mamãe quem fez. E a cartola estava guardada. Era do papai. Estava guardada há muitos anos, sabe, agora eu a achei. Lá em casa tem um grande baú, um baú grande e preto, parece coisa de pirata... Não me deixavam mexer nele, mas agora eu posso mexer. Não é de pirata, é da época do circo...

— Circo?

— É, sim, circo, sabe? Daqueles com um toldo grande todo colorido, listras amarelas, azuis, vermelhas... E palhaços, e mágicos, e moças bonitas que andavam na corda-bamba... E os animais, tantos, elefantes, leões, girafas, unicórnios...

— Unicórnios?

— Sim, unicórnios, e cachorros que jogavam futebol, e macacos que montavam a cavalo... E o homem de cartola vermelha bem no meio do picadeiro, vestido numa roupa bem bonita, anunciando e orquestrando tudo. Tudo. Tudo isso era no tempo em que havia um monte de circos por aí, eles viviam viajando entre uma cidade e outra. E toda a gente vivia no circo, e toda a gente trabalhava no circo. Porque as pessoas todas faziam mágicas, faziam malabarismos, conversavam com os bichos, pregavam peças... Os palhaços, né? Que isso de pregar peças era com eles. Mamãe diz que era muito engraçado, mamãe conta um monte de histórias daquele tempo.

— Ah... Ela gostava, então? Ela devia gostar...

— Ela sente muitas saudades. Era a vida dela. Ela tem nome de flor, mas a vida dela era circo. E eu nasci com nome de circo, mas quando eu nasci o circo deixou de existir. Ela diz que então eu parei de ser circo e passei a ser flor.

— Ah, é?...

— É sim. Margarida é mamãe. E eu, Volantina...

— Volantina...?

— Volantina Violeta, que é para lembrar que eu vim do circo, mas também sou flor. Mas toda minha família veio do circo. É como eu falei, todo mundo era circo. O vovô era palhaço, o melhor palhaço do mundo, precisava ver, até nas fotos em preto e branco mais antigas parece que ele era cheio de cor. A vovó montava a cavalo, fazia acrobacias em cima dos cavalos. E o papai, ah!... O moço todo bonito da roupa brilhante e da cartola vermelha.

— Eu nunca tinha visto cartola assim vermelha, sabe?

— É por causa disso que eu falei, os circos acabaram. Ninguém mais se lembra, quase ninguém. E eu virei só Violeta.


conto de Eduardo Trindade

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quinta-feira, 16 de abril de 2009

Mais selos para o blogue

As palavras e os gestos carinhosos não param de chegar às Valsas Invisíveis. Recebi mais selos virtuais. A Marta, criativa amiga que eu já citei anteriormente aqui, enviou d’além-mar o prêmio Jovens que pensam. E Amber Girl, a enigmática garota de âmbar, ofereceu cinco selos, entre eles o prêmio Dardos e Esse blog é arretado de bom. Muito obrigado às duas pela gentileza.















Esses selos às vezes vêm com regras complicadas: deve-se indicar tantas pessoas, responder a um longo formulário... Como eu nunca gostei de correntes, sinto-me no direito de quebrar estas regras ao meu bel-prazer (os blogueiros mais atentos já devem ter reparado nisso). Eu prefiro é usar o selo, de vez em quando, para fazer alguma divagação sobre pessoas e espaços que encontro na Internet.

Como um dos selos que recebi é Jovens que pensam, resolvi então falar de uma das escritoras mais jovens que conheço, que é também responsável por um dos primeiros blogues que acompanhei: Anitha Rosenrot. Anitha tem uma cartola mágica. Ela previu que, um dia, meu livro estaria nas livrarias e as crianças estudariam os meus versos na escola, o que me emocionou pois, sendo uma previsão da Anitha, era preciso levar a sério. Não é à toa que as coisas estão acontecendo conforme as palavras dela. Quanto a mim, não costumo fazer previsões mágicas, mas ouso dizer que, se continuar escrevendo, Anitha é uma promessa do mundo das letras. Então que escreva e que não tenha medo de mostrar seus escritos para nós, leitores.
Um último comentário: já que Anitha é a moça da cartola, aproveito para avisar que amanhã teremos publicado aqui meu novo conto, que gira justamente em torno de uma cartola...

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O barqueiro e o rio

Xilogravura: Eduardo Trindade

"Água de tempo escorrendo,
na madrugada de estrelas
a gente vai se encontrar."
(Thiago de Mello)
Não sou pessoa que se acomoda fácil. É comum eu procurar novos livros para devorar, novos destinos para desvendar, novas artes para (me) deslumbrar. Assim sendo, comecei a me dedicar a uma técnica que já despertava minha curiosidade há algum tempo: a gravura.
A gravura, nas artes plásticas, é um meio de se confeccionar e reproduzir imagens. Isto confere à gravura uma característica mais democrática que outras formas de expressão: enquanto uma pintura, por exemplo, é única, uma imagem gravada pode ter uma tiragem razoavelmente maior, embora também limitada. Gravuras foram muito utilizadas por artistas plásticos como meio de difundir seu trabalho numa época em que não existia fotografia. Também são recorrentes em ilustrações de livros impressos.
Existem diferentes técnicas de gravura, de acordo com o material e o modo de reprodução empregado. Eu estou me aventurando é com a xilogravura, que dizem ser a técnica mais antiga. Parte-se de uma superfície plana (matriz), a qual é entalhada (em relevo) com a imagem que se deseja. Aplica-se então tinta na matriz entalhada e pressiona-se contra ela uma folha de papel. A imagem assim fica impressa no papel. E está feita a gravura!