sexta-feira, 28 de novembro de 2008

"Por favor... Desenha-me um carneiro..."




Havia uma carneirinha que tinha duas meninas
E as meninas brincavam de casinha nos pés dela

E as três escorregavam de meia na sala.
A carneirinha levava as meninas na escola
E davam risadas juntas.
E brincavam na areia.
Um dia a carneirinha cresceu asas
E foi ser estrela no céu.
As meninas choraram lágrimas de lã.

Dani Santos




Estes versos não são meus; tomei-os emprestados de Dani Santos. Dani é uma amiga - uma amiga recente, uma amiga de mãos cativantes (mãos que escrevem belezas como essa aqui de cima). E Dani é uma artista, pois emociona e se emociona. A carneirinha foi e é real, assim como são reais as meninas. A mágica, nas mãos da artista, também é real: consiste em dar cor e vida ao que, de outra maneira, passaria por banal.
Abraço a Dani porque, como ela, eu me emociono quando percebo que a vida é feita de brincadeiras, asas, estrelas e lágrimas de lã.

(Meu desenho: A carneirinha da menina Dani)

sábado, 22 de novembro de 2008

Brincando no Túnel do Tempo


Hoje não publico versos, pois quero dar destaque à fotografia. Eis meus sobrinhos, Nathalia e Lucas, no interior da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre.
Quem nunca brincou de colorir uma paisagem em preto-e-branco?
por Eduardo Trindade

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Pátio da Casa Velha

As folhas que caem da árvore pousam na toalha da mesa.
Suavemente
dançam, rodopiam e dormem sobre o tecido
estampado de flores vermelhas.

O vento varre as folhas
em silêncio.

Piruetas,
são as folhas que o tempo leva.

As mãos tagarelas que pousavam sobre a mesa
em tardes de baralho
não estão lá,
levou-as o tempo.

As flores que a brisa tocava, nos galhos da árvore,
emudeceram,
as flores vermelhas do tecido estampado
parecem gritar.

palavras e imagem por Eduardo Trindade

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Faça sua parte: adote um Trema

Era uma vez, num país não tão distante, um sujeito muito trabalhador. Dedicava-se como ninguém a cumprir sua função, e olha que nem sempre ele era reconhecido por isso.
Seu nome era Trema. Ele vinha de uma grande família de sinais gráficos famosa na Alemanha, na França, na Suécia e em Portugal. De Portugal, ele havia emigrado ainda jovem para o Brasil, junto com outros colegas, como a Crase e o Acento Agudo. Alguns destes colegas tinham apelidos: o Acento Circunflexo, por exemplo, todos chamavam de Chapeuzinho. Mas o Trema sempre se considerou uma pessoa séria, que não podia correr o risco de se vulgarizar, e por isso nunca adotou um apelido.
A tarefa do Trema? Era das mais importantes. Ele era responsável por ensinar aos falantes da língua, especialmente aos leitores de um texto escrito, a pronúncia correta das palavras. Nesta profissão, o Trema acabou encontrando e fazendo ótimos amigos. Durante anos, foi sempre visto de mãos dadas com uma turma de ditongos.
Acontece que havia gente que olhava o Trema com cara feia. No começo, ele não se importava. Nunca fizera mal a quem quer que fosse! Nunca sequer se divertira assustando vestibulandos – alguns de seus colegas, como o Acento Grave, gostavam de fazer isso, mas não ele! Porém, com o tempo e com as repetidas injustiças de que era vítima, aquilo passou a incomodá-lo.
Começou aos poucos, na surdina. Veio na escalada do crime que acometia as grandes cidades do país. Jornais e periódicos passaram a seqüestrar o Trema que havia na palavra seqüestro. Sequestro.
A princípio, ninguém se deu conta. Quando perceberam, ao invés de chamarem a polícia e resgatarem o pobre seqüestrado, usaram o fato como arma: esse Trema é tão inútil que ninguém sente falta dele!
E então veio o movimento. Passeatas. Abaixo-assinados de estudantes de Língua Portuguesa que tinham senhoras gordas e carrancudas como professoras. Pressionaram a Academia. Esta enviou um memorando ao Governo. O Governo se fechou numa reunião séria e debateu, debateu. Criaram um Grupo de Trabalho. Anos e anos de discussão, atividade de lobistas, jogo de interesses. E o Ministério dos Sinais Gráficos veio com a sentença.
– O Trema, meliante de notória atividade subversiva, fica condenado ao exílio perpétuo, devendo deixar este país em primeiro de janeiro. Caso se recuse a cumprir a pena, as Autoridades Literárias têm o aval para utilizar a força buscando o extermínio definitivo do Trema. Outros sinais gráficos que tenham tido contato com o condenado, como o Acento Agudo e o Acento Circunflexo, passam a serem considerados subversivos e fica proibida sua presença em assembléias, vôos, sobrevôos e afins.
Imaginem o desespero do coitado do Trema! Ele, que nunca fizera mal a ninguém! Expulso de um país que ele amava tanto! Proibido de fazer o trabalho que ele tanto amava!
O Trema passou meses deprimido, sem saber o que fazer. Até que, num canal da televisão, viu por acaso a palestra de um especialista em mercado (ou marketing, como dizem em português). Tratava-se de um consultor aparentemente muito famoso, que fez uma longa explanação sobre nichos de mercado, planejamento estratégico, foco no cliente, tempestades cerebrais e, por fim, sobre como se adaptar ao mercado para manter-se nele.
Vocês acreditam que, neste momento, deu-se um estalo na cabeça do Trema, uma lâmpada se acendeu e ele teve uma idéia? Decidiu sair da letargia. Estava salvo! Mas era preciso diversificar. Pensou em distribuir folhetos explicando sua tragédia pessoal e vendendo sua idéia. Em esquinas. Em ônibus. De porta em porta.
Foi assim que eu recebi um destes folhetos. E aderi à campanha.
Tudo o que o Trema quer é um emprego honesto, ajudar na evolução desta Língua Portuguesa que ele tanto ama, vocês sabem? Longe dele querer ser contra a evolução: ele só quer poder contribuir.
Por isso, o Trema está se oferecendo para, a partir do próximo ano, assumir uma vaga de Dois Pontos. E ele conta conosco. Vejam, ele se dispõe a sair da horizontal e passar os dias na vertical. Ele pede a nossa ajuda. Em primeiro de janeiro, adotem um Trema: não deixem de colocar Dois Pontos em seus escritos.
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Texto por Eduardo Trindade, numa homenagem a Emília no País da Gramática.
Folhetos de cordel fotografados por Eduardo Trindade.
Este artigo foi publicado no jornal
O Globo de 12/11/2008.